FERNANDO PESSOA: OUTRA VEZ TE REVEJO... - CLEONICE BERARDINELLI

O livro Fernando Pessoa: Outra vez te revejo... da professora Cleonice Berardinelli fazia parte, simultaneamente, das Metas de Leitura de 2017 e também do Desafio Mulheres da Academia Brasileira de Letras (ABL).



CLEONICE SERÔA DA MOTTA BERARDINELLI

A professora nasceu no Rio de Janeiro em 1916, filha de Emídio Serôa da Motta e Rosina Coutinho Serôa da Motta. Seu pai era oficial do Exército, por isso, foi transferido diversas vezes, levando a família a morar em diversas cidades brasileira. Cleonice interessou-se primeiramente pela Música, mas foi orientada por um professor a cursar Letras (um curso que ela nem sabia bem o que era, ela confessa isso no livro) na Universidade de São Paulo (USP). Cleonice graduou-se em 1938.

Na faculdade, a autora conheceu a obra do poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935). Naquela época, o poeta era recém-falecido e Cleonice foi uma das primeiras intelectuais a defender uma tese sobre sua obra. Se não me engano, ela fala em seu livro que foi a terceira pessoa.

Cleonice dedicou toda a sua vida a estudar a obra do poeta Fernando Pessoa (mais de 60 anos). Ela foi professora de literatura em diversas universidade brasileiras e estrangeiras, entre elas, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade da Califórnia e Universidade de Lisboa. Ela teve acesso ao acervo de Fernando Pessoa (coleção de manuscritos dos poemas) da Biblioteca de Lisboa.

O poeta português escrevia e assinava os poemas com seu próprio nome Fernando Pessoa, mas também, com o nome de seus heterônimos: Alberto Caieiro, Ricado Reis e Álvaro de Campos.

QUAL A DIFERENÇA ENTRE PSEUDÔNIMO E HETERÔNIMOS?

Um pseudônimo é quando um escritor deseja esconder seu verdadeiro nome, evitando assim sua identificação. Por exemplo, J.K. Rowling (autora de Harry Potter) utilizou o nome Robert Galbraith para se ver livre do “peso” de ser a autora de Harry Potter e poder escrever livremente.

A heteronímia é um fenômeno distinto. Fernando Pessoa inventava personagens completos (com data de nascimento, falecimento e profissão) que, supostamente, assinavam os seus poemas. Esses heterônimos tinham personalidades distintas das do próprio Fernando Pessoa.

O QUE APRENDI COM A LEITURA DE CLARICE BERARDINELLI?

O livro é uma coleção de vários artigos acadêmicos da professora, publicados anteriormente em diversos eventos, que agora foram reunidos e publicados em ordem cronológica. Os artigos são todos fáceis de ler e a maioria deles é muito interessante.

Aprendi que Fernando Pessoa não atribuiu heterônimos a todos os seus poemas. Os intelectuais atribuíram certos poemas a Alberto Caieiro, a Ricardo Reis ou a Álvaro de Campos, muitos anos depois da morte de Fernando Pessoa. É possível (opinião pessoal) que o autor nem concordasse com essas atribuições.

Fernando Pessoa em 1914, aos 28 anos.

Os poemas que nós normalmente lemos na escola foram diversas vezes modificados, tiveram a ordem dos versos alterados, versos arrancados ou até versos que não pertenciam aquele poema inseridos. Cleonice narra que surpreendeu com a diferença entre os manuscritos originais de Fernando Pessoa e os versos que chegaram até nós de forma impressa. Opinião pessoal: se adulteram assim um texto, escrito em português, há pouco mais de cem anos, imagina textos bíblicos, escritos em latim ou grego, há mais de mil e quinhentos?

A VIDA AMOROSA DE FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa só teve um amigo e confidente, o escritor português Mário de Sá-Carneiro (1890-1916). Ambos sofriam de depressão e Sá-Carneiro acabou se suicidando em Paris. Fernando Pessoa era abúlico, como diz Cleonice, isto é, “indiferente, sem vontade”. Ele se voltou para uma busca mística religiosa mais intensa. O poeta se voltou para a maçonaria e até para a astrologia.

Sá-Carneiro, melhor amigo de Fernando Pessoa.

Fernando Pessoa só teve uma namorada conhecida na vida, Ofélia Queiroz, que ele conheceu em 1920, aos 32 anos de idade (quatro anos depois da morte de seu amigo Sá-Carneiro). Neste ano, ele estava num período de profunda depressão. Rompeu o namoro. Mas, em 1929, ele retorna o relacionamento com Ofélia, para depois rompê-lo em 1931. Analisando a correspondência privada do autor, tudo indica que o relacionamento deles já tivesse intimidade sexual (de acordo com trechos transcritos no livro da professora Cleonice). Ofélia seguiu sua vida em diante, continuou trabalhando e, em 1938 (três anos depois da morte de Pessoa), aos 38 anos, casou-se com um dramaturgo português.

Por outro lado, é possível que Fernando Pessoa fosse bissexual, se entendermos que o poema abaixo (assinado por Álvaro de Campos) tem cunho autobiográfico. No mínimo, o poeta foi muito ousado em levantar essa questão na sociedade conservadora da época:

Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
Dizer aos meus amigos ai de Londres,
Que embora não o sintas, tu escondes
A grande dor da minha morte. Irás de

Londres p’ra York, onde nasceste (dizes —
Que eu nada que tu digas acredito...)
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes

(Embora não o saibas) que morri.
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará. Depois vai dar

A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!...

QUANDO VOCÊ VISITAR LISBOA

Quando você visitar em Lisboa, vale a pena visitar:
·        A Casa Fernando Pessoa, onde o poeta morava e hoje conta com uma biblioteca dedicada a ele;
·        A estátua de Fernando Pessoa no Largo do Chiado em frente do Café A Brasileira;
·        O Mosteiro dos Jerónimos, onde Fernando Pessoa está enterrado. Muito próximo da Torre de Belém (de onde as caravelas partiam para o Brasil) e onde se pode comer os tradicionais pasteis de Belém;

Mosteiro dos Jerónimos.

·        Para quem gosta de visitar cemitérios, vale a pena dar uma passada também no Cemitério dos Prazeres, onde Ofélia Queiroz está enterrada.

OS MOVIMENTOS INTELECTUAIS PORTUGUESES

Em um de seus artigos, Clarice Berardinelli traça alguns paralelos entre o movimento intelectual que ficou conhecido como Questão Coimbrã (ou Questão o Bom Senso e Bom Gosto) e o movimento do grupo liderado por Fernando Pessoa, que publicou a Revista Orpheu. O primeiro antecedeu ao segundo em mais ou menos 50 anos, mas ambos buscavam questionar o que era arte e enfrentaram críticas.

Para quem não sabia nada sobre ambos os movimentos, foi um grande aprendizado. Por exemplo, no livro moçambicano Bragúncias do meu Bairro, o protagonista se chama Lepdóptero. Também era assim que Fernando Pessoa e seus amigos chamavam o burguês. Possivelmente, o texto moçambicano faça alusão à literatura portuguesa.

AS RAINHAS DE PORTUGAL: TERESA DE LEÃO E FILIPA DE LANCASTER

Mensagem é um livro de Fernando Pessoa (assinado por ele mesmo) e dedicado a História de Portugal. Cleonice o analisa em um de seus artigos. Nele, ela cita que as duas personagens femininas mencionadas são: Teresa de Leão (1080 – 1130) e Filipa de Lencastre (1360 – 1415).

Eu fui pesquisar e me deparei com Histórias surpreendentes. Teresa (ou Tarasia ou Tareja, conforme a grafia da época, ou apenas Dona Teresa) de Portugal foi Condessa de Portugale (nome de Portugal na época, então província da Espanha), mas ela se fez governar Portugal com o título de rainha. Pode-se interpretar que Teresa de Leão, de fato, fez a independência de Portugal e foi sua primeira governante, mas a História oficial atribuiu isso ao seu filho Afonso Henriques, o rei Afonso I.

Teresa de Leão.

Teresa era filha ilegítima do rei da Espanha (na época, rei de Leão e Castela). Quando ela tinha 13 anos (idade normal para época), seu pai lhe deu em casamento para um nobre francês Henrique de Borgonha, então com 24 anos, amigo de batalhas, que tinha combatido para o reino de Leão e Castela. O rei doou-lhes o Condado de Portugale (atual região de Portugal).

Teresa teve vários filhos desse casamento, mas só um homem, Dom Afonso Henriques, e três mulheres chegaram a idade adulta. Depois da morte do marido, Teresa, então com 32 anos, passa a governar Portugal como rainha e assinar oficialmente como rainha, sendo reconhecida pelo Papa e outros nobres da época.

Teoricamente, ela ficaria governando Portugal (agora um país independente, graças a ela) até a maior idade do filho (por mais 10 anos). Mas, na prática, ela ficou no poder por quase 16. Nesse ínterim, ela conheceu o nobre Fernão Peres da Trava, do Reino da Galiza (que já era casado). Os dois lutaram juntos em muitas batalhas e tiveram duas filhas. Ninguém falou que eles foram casados, note-se bem.

Seu próprio filho, Afonso Henriques, vence uma batalha contra ela e toma o poder. Ele parece não aceitar que sua mãe tem um segundo casamento (muito semelhante aos conflitos familiares modernos). Teresa é obrigada a se enclausurar num convento, onde falece. Quando ela morre, seu filho manda transportar seus restos mortais para junto dos do pai dele na Sé de Braga. Até na morte, Teresa teve que ficar separada do único homem a quem se uniu por vontade própria, Fernão Peres da Trava, que foi enterrado na Galiza, 25 anos depois, e possivelmente não teve mais nenhum outro relacionamento. Fazendo as conexões que a leitura proporciona, vale lembrar que o pai da também imortal da ABL, Nélida Piñon, também era de Galiza. Ela faz descrições belíssimas dessa região espanhola no seu livro O Pão de Cada Dia - Fragmentos

Túmulo de Dona Teresa na Sé de Braga.

A História oficial que nos contam da escola, às vezes, pode ser “limpa” demais para refletir valores de uma sociedade. Mas o ideal nunca foi o real. A leitura ajuda a expandir horizonte e trazer mais clareza sobre a realidade. Vale a pena pesquisar também sobre Filipa de Lencastre.

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Boa semana! Boas leituras!

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