SIM, EXISTEM POBRES NO CANADÁ, MAS É UM "POUQUINHO" DIFERENTE


Existem pobres no Canadá. Assim como existem ricos. Eu tenho um conhecido canadense que morava no Brasil que uma vez me disse isso. Eu respondi: “Mesmo em países como a Suécia, que fazem muito mais propaganda do bem-estar social do que o Canadá, eu nunca imaginei que não existissem pobres. Qualquer lugar do mundo tem pobres e ricos”. Mas, para ele se dar o trabalho de me dizer isso, deve ser porque ele já encontrou brasileiros que achavam que não existissem pobres no Canadá. De acordo com o livro do Dany Laferrière, o Québec foi construído baseado no mito da não existência de classes. Mas, lógico, elas existem.

COMO EU MORO EM SHERBROOKE
Eu aluguei um quarto em Sherbrooke no subsolo de uma casa, que eu divido com outras 10 pessoas, entre locais, franceses e brasileiros. A maioria é jovem e universitário, o que seria equivalente a uma “república” no Brasil.

O sofá da sala com nosso cachorro Kiwi. Essa janela dá vista para a rua.

É lógico que eu adotei essa solução, porque é barato e fica pertíssimo da universidade. A casa tem suas regras: não se pode fazer barulho depois das 22 horas e existe uma lista de atividades de limpeza e organização, com o nome e a data que cada morador tem que fazer.

Nossa cozinha e sala de jantar. Assim como a sala, ela é compartilhada.

Hoje de manhã eu lavei minhas roupas, isto é, coloquei na máquina de lavar da casa e depois na de centrifugar. Aqui eles usam aquelas máquinas de lavar com porta vertical. Leva cerca de 40 minutos para lavar e 50 para centrifugar, porque eu, normalmente, centrifugo a ficar bem seco.

Meu quarto antes de eu descobrir que precisava secar minhas roupas duas vezes na centrifugação.

Enquanto as roupas estavam trabalhando na máquina, eu fui fazer a minha atividade da semana. No caso era varrer e passar pano no piso do primeiro andar (sala de estar, sala de jantar, cozinha e banheiro) e aspirar o tapete da entrada.
NÃO EXISTEM EMPREGADAS DOMÉSTICAS NO CANADÁ
No Brasil, quando eu faço limpeza no meu apartamento (lá também sou eu quem faço, fazem mais ou menos seis anos que eu decidi não ter faxineira nem empregada, por uma questão ética), eu procuro agradecer mental ou verbalmente por ter uma casa boa e confortável para limpar.
Aqui, eu fiquei pensando como é bom viver em um país que não tem empregadas domésticas. Até tem, mas você precisa ser muito rico para pagar por uma. Pessoalmente, eu não conheço ninguém que tenha. Mesmo morando em uma casa com 10 jovens, a casa é limpa e organizada. Acho o que causa isso é a responsabilidade de cada um com a limpeza.

O pessoal da casa tentando adestrar o Kiwi. No Canadá, tiramos os sapatos antes de entrar em todas as casas.

No Brasil, uma república com 10 estudantes de engenharia ficaria suja e desorganizada quase o tempo todo. E seria uma faxineira mal paga que iria limpar tudo depois.
CONSCIÊNCIA AMBIENTAL NO CANADÁ
Lembrei que preciso abrir um parênteses e falar da preocupação ambiental no Canadá. Aqui, em todas as casas, separa-se o lixo em três categorias: compostagem (restos de plantas e animais, que podem se decompor na natureza), recicláveis (que devem ser sempre lavados antes de serem descartados) e dejetos (lixo que não pode sofrer nenhum processo de reaproveitamento). 

Carregar talheres, assim como canudo e caneca, de metal com você, para evitar o uso de materiais plásticos, é uma ótima estratégia para ganhar o respeito dos canadenses.

Eu ganhei, de um canadense, um canudo de metal (junto com a escovinha de limpeza) junto com três talheres de metal para viagem (uma faca, um garfo e uma colher). O intuito disso é eu não usar canudos nem talheres de plástico. Depois eu fui e comprei um caneca portátil para o meu café. Já saí para comer com alguns locais e escutei duas vezes ao sacar os meus talheres da bolsa: "Eu te respeito muito mais por causa disso", "Nunca imaginei que as pessoas no Brasil tivessem esse nível de evolução" (sim, pessoal, eu ouvi isso!). Além de ser ecologicamente correto é uma boa estratégia mostrar consciência ambiental no Canadá.

CARROS ELÉTRICOS NO CANADÁ
Os proprietários da casa são um casal, em que a mulher é brasileira e o homem é québécois. Hoje eles se ofereceram para mostrar alguns pontos turísticos da cidade e da região.

Ponto de abastecimento de carros elétricos no campus da universidade. Para usar essa recarga, é preciso pagar com um cartão especial (é barato). Mas, ao se comprar um carro elétrico, o Governo do Canadá instala um ponto desses dentro da casa do proprietário do veículo. Meu professor aqui disse que ele só abastece em casa, que nunca precisou abastecer na rua, porque o carro tem bastante autonomia.

Eles têm um carro elétrico, que compraram em 2015. Segundo eles, os carros elétricos começaram a ficar populares no Canadá a partir de 2010. Enquanto eu estava na Alemanha no começo do ano, havia uma discussão sobre carros elétricos lá. Eles existem na Alemanha, mas são bem menos populares do que em países vizinhos como a Noruega. A justificativa dos alemães é que, na Noruega, a compra de carros elétricos é subsidiada. Quando você decide comprar um carro elétrico, o governo te dá uma parcela do dinheiro. Aqui, no Canadá, funciona de um jeito parecido com a Noruega. Aliás, carro para os canadenses é só uma ferramenta útil. Eles não têm nenhum apego especial ao carro.
COMO DIFERENCIAR UMA MANSÃO DE UMA CASA NORMAL
Mas voltando ao nosso passeio... Estava chovendo e acabamos não vendo muita coisa. O outro brasileiro passou por algumas casas e perguntou se elas eram caras. E a resposta foi “não”. Para a gente que vem do Brasil, é difícil identificar o que é uma casa cara no Canadá e o que é uma casa normal, porque todas as casas são confortáveis e atendem às necessidades dos moradores. Elas têm jardim e quintal. Aí os proprietários nos levaram a uma região chique de Sherbrooke para ver como são as casas ricas. Elas normalmente são ainda maiores que as normais, têm pedras ou são de uma cor avermelhada por fora. Por dentro, segundo um anúncio de venda que a proprietária mostrou, elas são muito luxuosas. Você pode tirar suas próprias conclusões consultando um site de imobiliária em Sherbrooke, clicando aqui. É preciso lembrar que aqui os trabalhadores têm mais acesso a crédito (e a semana de trabalho tem só 35 horas semanais). Assim que eu cheguei, um brasileiro me mostrou uma tabela de quanto eu poderia financiar de uma casa, baseada na renda. Um casal de trabalhadores consegue facilmente financiar uma casa de 250 a 300 mil dólares canadenses.

Casa normal decorada para o Halloween (31 de outubro)

Eu li em um livro em inglês sobre uma indígena que foi tomada dos pais biológicos, pelo governo canadense, na década de 60, e dada em adoção para uma família branca. Isso foi feito em massa naquela época e é, até hoje, um dos fatos históricos que de os canadenses mais têm vergonha. O livro do Dany Laferrière fala para um estrangeiro nunca mencionar o tema indígena no Canadá. Eu menciono, porque eu sou descendente de indígenas do Brasil, e eu sou interessada em entender as diferenças entre os dois países. Segundo o livro dessa autora, que ainda estou lendo, seus pais adotivos eram pobres e moravam em um trailer. Então existem pessoas que moram em trailers ou casas pré-fabricadas, mas eu não vi nenhuma até agora.

Casa a venda em Sherbrooke por cerca de um milhão de dólares canadenses. Não sei se aplicam impostos. Acredito que se você só tiver uma casa no Canadá e provar que é a sua residência, os impostos não se aplicam. Isso é uma "mansão" para os padrões locais.

Eu vi uma fábrica de trailers, que aqui são chamados de “veículos para lazer”. Aqui são micro-caminhões com tudo dentro, quarto, sala e cozinha. Conheci um québécois que me contou que o pai dele e madrasta estão aposentados. Eles compraram um “veículo de lazer” e todos os anos, antes do inverno começar, eles vão viajar pelos EUA, da costa Leste à costa Oeste, e só voltam no verão. Eles ficam seis meses viajando no trailer por prazer.
NÃO EXISTE REI DO CAMAROTE NO CANADÁ
Voltando outra vez ao nosso passeio de carro de hoje... A cantora Celine Dion é do Québec. Ela inclusive tem uma casa nos arredores de Montréal, que não é uma “casa”, é uma verdadeira mansão. A proprietária me falou que a Celine Dion tinha um concerto agendado para este mês em Montréal, que foi postergado para 2020, devido a um problema na voz da cantora. Falamos sobre os preços do show e, mesmo Celine Dion sendo uma cantora mundialmente reconhecida, os preços são acessíveis a quase qualquer classe social. Até para mim, que sou bolsista aqui (com uma bolsa muito pequena, quando comparada à renda média de um canadense). Assim como se eu quisesse assistir o Cirque du Soleil, que também é daqui.

Interior da mesma casa à venda. Aprendi quando eu visitei Paranapiacaba (uma cidade histórica junto a um parque ecológico na Grande São Paulo), que essa rosa dos ventos no chão, mostrando os pontos cardiais, é para valorizar a casa. Ela indica que a casa foi construída para obter a melhor iluminação possível. Passeando hoje em Sherbrooke, vi uma mansão que tinha essa rosa dos ventos até do lado de fora da casa. Isso é "ostentação" na cultura local.

Aí falamos que, no Canadá, não existe isso de mostrar “status”, muito menos mostrar “status” limitando acesso à cultura. A cultura é acessível a todos. Não existe “rei do camarote” no Canadá. As pessoas ricas educam seus filhos para serem disciplinados e trabalharam, alcançarem sucesso por meio do trabalho. Pessoalmente, essa é a maior qualidade do Canadá para mim.

Todos aqui tem acesso à cultura. Talvez eu vá em um show da Celine Dion, porque consigo pagar, mesmo com uma bolsa pequena.

Em seguida, terminamos falando sobre como existem muitos estrangeiros nas universidades canadenses... Mas isso já é assunto para outro texto. O Dany Laferrière termina o seu livro de uma forma bem poética, falando que os imigrantes começam morando no subsolo do Canadá (por serem pobres), que levam mais de 30 anos trabalhando para sair do subsolo ao térreo. Os filhos desse imigrantes enfrentam conflitos geracionais e têm vergonha da humilhação que os pais sofreram, mas são trabalhadores focados e silenciosos, que logo sobem o térreo para o primeiro andar. Cada lance de escada leva 30 anos.
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BOA SEMANA!


BOAS LEITURAS!



Comentários

  1. Muito legal o texto. Lembra muito a situação da Suécia, exceto pelo uso de carros elétricos. Às vezes penso que não é necessariamente ausência de desigualdade social ou pobreza. A pobreza existe, mas seu nível é muito mais abastado (pelo welfare) do que no Brasil, pelo menos: ainda há dignidade e acesso a cultura e lazer. Isso também cria um senso de valorização do trabalho qualquer que seja sua atividade, pois como o acesso à educação é maior, é difícil encontrar pessoas para ocupar vagas menos desejadas, como as de domésticas por exemplo. Isso favorece a igualdade social e também associa uma importância às atividades mais básicas. Pra mim isso é admirável e é como eu gostaria que o Brasil fosse.

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    1. Concordo plenamente. A Etiópia é um país quase sem desigualdade. Todo mundo é pobre. Isso não resolve. Também me preocupo com a oportunidade de ascender socialmente dentro de uma ou duas gerações. Na minha opinião, essa oportunidade não existe na Europa, mas parece que existe no Canadá.

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  2. Uau, Iso, que interessante conhecer a dinâmica social de Québec, era mais ou menos como eu imaginava, mas alguns detalhes me surpreenderam! Eu fiquei um pouco chateada de como o canadense se referiu aos brasileiros, toda vez que isso vira pauta eu percebo o quanto a percepção sobre nós no exterior é horrível :(
    Eu também não tenho empregada em casa, e quando um dia precisei de ajuda (principalmente para mudança) tenho que remunerar o serviço à altura, acho uma grande exploração o que acontece no Brasil!
    E a Kiwi é lindaaaa! <3 <3 <3

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    1. Muito obrigada, Rô. Sim, a percepção sobre nós está um pouco distorcida, principalmente com relação às questões ambientais.

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