BOLSONARO, HITLER, VIRGÍNIA BICUDO E A PSICANÁLISE

Boa noite, turma! Feliz Dia das Mães! Estamos em tempos estranhos, enfrentando uma pandemia global, em meio a redemoinho político. Estou conseguindo conciliar mais leituras (por prazer) com o trabalho de pesquisa do doutorado.


Hoje é dia 10 de maio, por isso, resolvi falar sobre um trabalho que, a princípio, parece não ter nada a ver, mas que mantém uma relação sutil e profunda com a situação atual. A data de 13 de maio de 1888 consagrou a assinatura da Lei Aurea assinada pela Princesa Isabel, que aboliu o regime de escravatura no Brasil.


Recebi um texto de uma amiga médica sobre a vida e obra da psicanalista brasileira, Virgínia Leone Bicudo (1914 - 2003). Vou deixar o texto original na íntegra aqui. Bicudo era filha de uma imigrante italiana branca e um negro. Ela se formou em Sociologia em 1938, por uma escola que mais tarde viria a se integrar à Universidade de São Paulo. Defendeu seu mestrado em 1945. Nos dois casos, ela foi a única mulher de sua turma e única pessoa não branca. Tornou-se professora universitária, mais tarde conheceu a psicanálise, foi estuda-la por cinco anos na Inglaterra e trouxe-a para o Brasil. Foi uma das pioneiras a pratica-la no Brasil. Em toda a sua carreira, Bicudo sofreu muitas perseguições.  


Eu busquei um livro dela para ler. Estava interessada em ler Nosso Mundo Mental, uma compilação das publicações da coluna de jornal (de mesmo nome), onde a psicanalista explicava, com palavras simples, como os conceitos de psicanálise podem ajudar a resolver problemas do nosso dia a dia. De certa forma, uma pioneira na divulgação científica. Algo semelhante ao trabalho que o psiquiatra Flávio Gikovate fez muitos anos mais tarde (link para o canal do YouTube dele aqui).


Não achei o livro que eu queria. Só achei a dissertação de mestrado, defendida em 1945, e republicada em 2010. O título é Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo. O método é constituído por entrevistas a mais de 30 indivíduos, classificados em quatro grupo conforme características físicas (pretos ou mulatos) e classe social (baixa ou média). Além disso, ela investigou o jornal Voz da Raça, que era publicado pela Frente Negra Brasileira (FNB).




A FNB foi um movimento negro brasileiro (do qual eu nunca tinha ouvido falar antes), que existiu entre 1931 até 1937. A FNB algumas estratégias (até 1938) para sobreviver à perseguição do governo de Getúlio Vargas, mas nada adiantou. Link para Wikipédia clicando aqui. Quando Bicudo começou sua pesquisa, deve ser 1943, cerca de 5 anos após o fim da FNB. Ela usa nomes fictícios para o jornal e para o movimento, porque mencioná-los era ilegal na época. O que mais me surpreendeu foi ler que a FNB tinha mais de 66.000 associados em quatro estados brasileiros. Era uma organização enorme para as limitações tecnológicas da época. Nem o telefone era uma tecnologia amplamente difundida.


O governo ditatorial de Getúlio Vargas durou de 1930 a 1945. Ele entrou em um período de euforia econômica e governou durante a Segunda Guerra (1939 – 1945). Entre as medidas socialmente progressivas, destaca-se o voto feminino, autorizado no Brasil em 1932. Na mesma época, os EUA e a Alemanha também já autorizaram o voto feminino. É até triste pensar o que foi que as mulheres alemãs fizeram depois que conquistaram o direto ao voto? Votaram no Hitler. Embora votar não fizesse sentido na União Soviética (URSS), a legalização do aborto e a punição para estrupo dentro do casamento foram adotadas pela legislação no mesmo período. Os quatro países foram em uma direção de proporcionar maiores direitos a mulheres, ao mesmo tempo que aumentavam a perseguição racial (EUA e Brasil contra negros, Alemanha e URSS contra judeus).


Mas, para mim, a maior coincidência é o fato os países mais importantes da época serem governados todos por figuras autoritárias e paternalistas. O Brasil tinha Getúlio Vargas, os EUA, Theodore Roosevelt, a Alemanha, Adolph Hitler, e a URSS, Joseph Stálin. Pouca gente sabe, mas Theodore Roosevelt sofreu poliomielite na infância e era deficiente físico. Ele andava com dificuldades e precisava de muletas. Até hoje, ele é o único deficiente físico a ocupar a presidência norte-americana. Mesmo assim, ele passava a imagem de “macho alfa” e vinha caçar, até no Brasil, com Getúlio Varga. O livro Rondon de Todd A. Diacon relata essa caçada.




Agora estou lendo o livro Kursk, 1943 da coleção Grandes Batalhas Aéreas, escrito por Claúdio Lucchesi. São dois livros completamente distintos, mas que descrevem a vida de pessoas (em continentes diferentes) na mesma época. É chocante sair do atraso tecnológico e pobreza do Brasil para um contexto de guerra e de gastos milionários em tecnologia de ponta para época. Ambos são cenerários violentos e de sofrimento. Em alguns momentos, o autor descreve as personalidades de Hitler e Stálin, lideres de lados opostos na guerra.


Porém, ao contrário de Hitler – que diante dos problemas de recuos no Leste no inverno de 1941-42, culpou seus comandantes militares e assumiu, em pessoa, a liderança suprema das forças militares germânicas (com ingerências até em questões táticas e locais)-, o ditador soviético adotara caminho oposto.




Não estou aqui para elogiar o Stálin, mas, pela descrição do autor, Stálin, na hora H, no momento decisivo da guerra, entendeu a gravidade daquela situação e foi mais inteligente do que Hitler. Stálin deixou quem sabia fazer e quem tinha conhecimento técnico comprovado tomar as decisões (mesmo que tivesse sido opositor e até preso político antes). Stálin não ficou dando ingerências e ordens em contrário dos seus ministros. Hitler foi mais burro e continuou mantendo o governo da força, do “macho alfa”, contrariando especialistas, ministros e subordinados. Stálin venceu a guerra. Não havia “bom” e “mau”, havia “estratégia que funciona” e a que não funciona. Qualquer semelhança com o momento que estamos vivendo, enfrentando a guerra contra o covid-19, não é mera coincidência.


Foi nesse momento global conturbado em que Virgínia Leone Bicudo viveu, se formou, fez seu mestrado, e triunfou em sua carreira, mesmo sendo uma mulher não branca. Ler a sua dissertação me impressionou pela qualidade do trabalho técnico, a metodologia segue um rigor científico acima de críticas até hoje, e conhecer a sua vida me inspirou a continuar. Se ela venceu, nós também vamos!


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BOA SEMANA!

BOAS LEITURAS!


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