VOLUNTARIADO NO CANADÁ +LIVROS


O QUE É O COLLÈGE FRONTIÈRE?

Entrei para um projeto de voluntariado no Québec. Ele existe em todo o Canadá e se chama Frontier College em inglês ou Collège Frontière em francês. O objetivo da instituição é alfabetizar adultos e crianças e promover a leitura (conheça o site oficial em inglês, clicando aqui). É a instituição mais antigas do Canadá com esse objetivo. Foi fundada em 1899 por Alfred Fitzpatrick (1862-1936), um pastor canadense.
Em 1899, Alfred começou a alfabetizar lenhadores, mineradores e trabalhadores das ferrovias nas regiões mais remotas do Canadá. Regiões que eram conhecidas como a “Fronteira” (Frontier ou Frontière). O lema de Alfred era “Sempre e em qualquer lugar que as pessoas tiverem ocasião de se reunir, haverá tempo, lugar e meio para educa-las”.

Tenda escola do Collège Frontière para alfabetizar trabalhadores em um local indeterminado do Canadá em 1911. Apenas um voluntário foi identificado, o Dr. Norman Bethune, ao centro com as pernas abertas. Fonte: Wikipédia.

Originalmente, Alfred e seus apoiadores montavam tendas na frente dos locais de trabalho e, assim que terminava a jornada, os trabalhadores iam para as tendas aprender a ler. Ao final do curso, aqueles trabalhadores que aprendiam a ler, recebiam um certificado. Toda organização que podia dar um certificado educacional à época, era chamada de “College” ou “Collège”. Era um “supletivo” da época. Hoje o Collège Frontière não pode mais emitir certificados de ensino fundamental, mas manteve o nome histórico.
Segundo a Wikipédia, Alfred escreveu dois livros. Um deles com o título The Handbook for New Canadians to help new immigrants understand the culture and traditions of Canada, que seria traduzido como Manual para novos canadenses para ajudar novos imigrantes a entender a cultura e tradições do Canadá. Publicado, pela primeira vez, em 1919. Esse livro, eu ainda vou ler.

Capa da edição de 2012 do livro de Alfred Fitzpatrick sobre como os "novos canadenses" devem educar os imigrantes mais recentes sobre a cultura canadense.

POR QUE ME TORNEI VOLUNTÁRIA?

Entrei para o Collège Frontière porque eles precisavam de voluntários. Além disso, os canadenses valorizam muito o voluntariado. O tempo mínimo de colaboração com o Collège Frontière são 3 meses, o tempo que ainda me restava aqui quando eu aceitei colaborar. Vou ganhar um certificado que posso colocar no currículo. E, por último, achei que fazer algo assim era uma forma de demonstrar inquestionavelmente que eu falo o idioma do país.

Biblioteca Municipal de Sherbrooke, Éva Senécal. Ao me tornar voluntária do Collège Frontière, tenho direito de pegar 30 livros aqui. Éva Senécal foi uma poetisa e romancista do Québec, nascida em 1905, que faleceu em Sherbrooke em 1988.



COMO ME TORNEI VOLUNTÁRIA?

Para me tornar voluntária, eu tive que agendar duas entrevistas, preencher 6 formulários, entregar dois documentos oficiais com foto (eu forneci meu passaporte e minha carteira internacional de motorista) – que serão verificados pela polícia do Québec – e dar três nomes completos de pessoas do Québec (que não podem ser da sua família), com telefone e uma descrição do que elas fazem e quando elas podem ser encontradas. Eu passei o nome do meu professor orientador na Universidade de Sherbrooke, a dona da casa onde eu alugo um quarto e um amigo canadense, que foi colega de sala de Elise Gravel no curso de Grafismo (e eu fiz questão de mencionar esse fato durante a entrevista). Elise Gravel é uma lenda da ilustração de livros infantis no Québec.

Um exemplo de livro da Elise Gravel para crianças.

Meu professor falou que o Collège Frontière ligou para ele. Ele falou boas coisas de mim, mas disse que não poderia falar do meu francês, porque nós só conversamos em português (ele também é brasileiro). A dona da casa não falou nada. O meu amigo canadense falou que ligaram para ele também e ele informou que eu era uma psicopata perigosa (risos!). A minha supervisora do Collège Frontière falou que o meu foi um dos processos mais rápidos que ela já viu na vida. A polícia deu ok na mesma hora e todas as minhas referências foram checadas em um dia.

COMO FOI MINHA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA?

Por enquanto, a minha experiência foi ir à biblioteca de um bairro de imigrantes em Sherbrooke. A biblioteca foi construída dentro de um centro social de apoio. Eu fui na terça feira à tarde, logo depois do horário de distribuição de comida para as pessoas carentes. O centro social fica em frente a um local de apoio para família “monoparentais” (pais ou mães que cuidam sozinhos dos filhos) e famílias “recompostas” (famílias com filhos de primeiras e segundas uniões). A minha supervisora falou que, no Canadá, o processo de adoção é difícil, mas é possível que pessoas solteiras adotem crianças. Nesse caso, eu teria direito à ajuda do local de apoio da família monoparental ou recomposta.

Cartaz do centro social onde se lê "Existe todo tipo de família onde as pessoas se amam e se sentem bem".

No centro social, antes de abrir a biblioteca, conversei com um canadense que tem oito filhos de uma família recomposta, três dele de uma primeira união, três da primeira união da atual companheira e mais dois com a atual companheira. O centro ajudou a companheira dele a arrumar um trabalho e agora estava ajudando-o a se capacitar para se colocar no mercado de trabalho. No caso, eu o conheci na distribuição de comida.

Foto de uma parte da biblioteca do centro social. Parece que essa biblioteca é uma iniciativa exclusiva deste centro social. Outros centros sociais de outras cidades podem não ter biblioteca.

Eu abri a biblioteca por duas horas. Vieram duas meninas de 10 anos e uma de 12. Todas falavam bem francês. Uma menina de 10 era do Quirguistão. Ela era muito extrovertida e feliz. A outra era da Colômbia, mais fechada. A menina de 12 também era feliz e animada, ela veio do Afeganistão. Eu achei que as mais novas vieram para ter alguém para conversar e não ficar em casa. A mais velha veio porque ela gosta muito de ler mesmo. Minha supervisora (a gente normalmente faz o voluntariado sob supervisão de alguém que é funcionário do Collège Frontière) avisou às meninas que a instituição está recrutando jovens (acima de 14 anos) do bairro para ler livros infantis para as crianças do bairro. Esses jovens recebem um treinamento e 15 dólares por hora (tanto se for no treinamento quanto na atividade de leitura).

NA MINHA SEGUNDA EXPERIÊNCIA, DESCUBRO QUE O GOVERNO DOS EUA PODE TER TRAFICADO MULHERES BRANCAS PARA VENDER A INDÍGENAS

Hoje eu fui a um encontro de voluntários em um café para troca de experiências e conversas sobre leituras. Conheci um francês que mora no Québec há seis anos. Ele me recomendou o livro Mille femmes blanches (livro não traduzido para o português, cujo título seria provavelmente Mil Mulheres Brancas) de Jim Fergus. É uma tradução de um romance norte-americano, One Thousand White Women: The Journals of May Dodd. É um romance epistoalar, que se passaria no Velho Oeste em 1875, quando o Governo Norte-Americano criaria o programa “Noivas dos Índios”, vendendo mulheres brancas à força para os indígenas, em troca das terras deles.

Capa de uma das edições em francês.

A versão oficial é “Em Fort Laramie, em 1854, um chefe de Cheyenne solicitou que o Exército dos EUA levasse 100 mulheres brancas como noivas para seu povo em nome da paz; mas o exército recusou.”. A versão do autor do livro é que, sim, o exército entregou, não 100, mas na verdade, 1.000 mulheres brancas.
Mas onde o Governo encontrava essas mulheres? Em prisões, prostíbulos e manicômios. A protagonista (ficcional) do romance seria uma mulher dessas mil mulheres. No caso, ela foi enviada para um manicômio porque o marido dela queria se casar outra vez (escândalos dessa natureza também já aconteceram no Brasil, relembre aqui). Depois ela é vendida à força para se tornar esposa de um indígena. O livro é um diário dessa personagem. Com o passar do tempo, ela se dá conta que a vida dela está melhor com os indígenas do que estava com os brancos. Segundo esse colega, a leitura é muito válida para conhecer os costumes nativos da época e como a sociedade (indígenas Chayenne) se organizava.

Capa de uma das edições do livro em inglês. Venderam-se milhares de exemplares e ganhou um prêmio de livro do ano em 1999.

Neste sábado, farei duas atividades de leitura de contos de Natal para crianças. Vamos ver o que vou aprender!
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BOA SEMANA!

BOAS LEITURAS!

Comentários

  1. Que trabalho lindo que você está fazendo! 😍 Não vejo a hora de você relatar a atividade de leitura de contos de Natal para crianças!!! Linda homenagem da biblioteca à escritora Éva Senécal, com certeza seu legado é grandioso!!!

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  2. Muito obrigada, Rô! Seu trabalho é uma inspiração para mim.

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