" SE MACHADO DE ASSIS EXISTIU, O BRASIL É POSSÍVEL" - NÉLIDA PIÑON
Nélida Cuíñas Piñón é a quarta mulher a ingressar na Academia
Brasileira de Letras e primeira a presidir a instituição em 1996. Possui
uma extensa produção literária com inúmeros prêmios nacionais e internacionais
acumulados, entre eles o importante prêmio Príncipe
de Astúrias das Letras em 2005, pelo conjunto de sua obra. Nélida é o
primeiro escritor de língua portuguesa a receber esse prêmio.
Livro das Horas é um livro
de memórias publicado em 2013. As características mais marcantes na sua obra
são sua grande sensibilidade e erudição. Originalmente, Livro das horas (ou Livro missal) é um livro de orações, criado no final da
Idade Média. Embora Nélida também aborde sua religiosidade, não trata-se de um
livro de devoção religiosa, mas onde o que predomina é o pensamento, conforme a
própria escritora esclarece em um entrevista concedida ao programa Imagem da
Palavra [1]. Nélida aborda diversos
temas: sua paixão pela literatura, velhice, amigos, morte, sua família de
descendência espanhola com forte influência em sua formação, etc.
Capa de Livro das Horas (Ed.Temas e Debates). Nélida
Pinon (Imagem: Revista Fapesp).
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“Muitas vezes confessei que sou brasileira recente. Minha família, no Brasil, é mais jovem que as palmeiras imperiais do Jardim Botânico. Carrego comigo a sensação de haver, eu mesma, desembarcado na Praça Mauá, no início do século, no lugar dos meus avós, em busca da aventura brasileira, a única saga que ainda hoje estremece meu coração.” (Trecho do Discurso de posse de Nélida Piñon na ABL)
Nélida ficou conhecida como
defensora dos direitos humanos durante a ditadura militar. Em Livro das Horas, Nélida
relata, em detalhes, a sua participação no Manifesto dos mil em 1977 no governo
do presidente Ernesto Geisel ("Manifesto dos
Intelectuais") durante o a ditadura militar. A escritora Lygia
Fagundes Telles, com três colegas, liderou a elaboração de um abaixo-assinado
de mais de mil signatários contra a censura. As assinaturas foram entregues no
Ministério da Justiça, em Brasília, para o ministro Armando Falcão.
Tratava-se do primeiro documento
da sociedade civil a reclamar o fim da censura e volta da democracia. Nélida
fazia parte da organização do manifesto e não estaria presente no ato de
entrega do documento em Brasília. No entanto, numa última reunião, foi decidido
que a sua presença seria indispensável, uma vez que, em caso de algum acidente,
ela seria capaz “enfrentar diplomaticamente” o ministro. Algo um tanto irônico,
ao considerarmos também que ela levava em sua bolsa um machado e um punhado de
tachas, para caso o ministro fechasse as portas do prédio impedindo sua
passagem.
Nélida relembra com grande
sensibilidade a amizade e também a perda de muitas pessoas queridas, como a sua
amizade com os também escritores Clarice Lispector, Marly de Oliveira e Bruno
Tolentino. Todos já haviam falecido antes da escrita do livro. Clarice
Lispector foi a primeira vítima de câncer em 1977.
“Desejo encerar o questionamento
para falarmos do passado, de Clarice Lispector e Marly de Oliveira. Quando as
três íamos visitá-lo no sítio, em Jacarepaguá, onde criava galinhas. (…)
Ríamos e sentíamo-nos jovens e
eternos, na iminência de adquirir um amadurecimento que inevitavelmente
envenenaria o nosso futuro.” (Livro das Horas, Ed. Temas e Debates p.53)
Foto: Nélida Piñon,
Clarice Lispector e Marly de Oliveira.
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Uma provocação final de Nélida Piñon:
“Eu vou repetir uma frase que vivo repetindo há anos, mas
é uma frase que não pode ser mudada: se Machado de Assis existiu, o Brasil é
possível.” - Nélida Piñon
Esta postagem faz parte do Desafio
Mulheres na Academia Brasileira, que consiste em ler pelo menos um livro de
cada escritora e fazer uma postagem sobre ela e sua obra.
Aceita o desafio também?
Texto de autoria e responsabilidade do blog Literatura Brasileira.
Referências
2. Entrevista à Revista Fapesp
3. "Manifesto dos Intelectuais" em 1977
4. Biografia Nélida Piñon ABL
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