MUITAS LEITURAS E UM DOUTORADO NO CANADÁ
Raríssimas vezes, li tanto quanto na
última semana. Li O Fluir da Canção do
Senhor – A Interpretação da Bhagavad Gita por Sai Baba, com Tradução,
Introdução e Notas Explicativas do Professor Hermógenes. Li também O Livro da Confiança do padre Padre
Thomas de Saint-Laurent. Li um livro, em francês, chamado Le petit Nicolas et ses copains (disponível em português com o
título, O Pequeno Nicolau e seus colegas)
de René Goscinny (o cartunista francês criador do Astérix).
Leitura concluída. Vale a pena! |
Agora estou me obrigando a ler durante,
pelo menos, uma hora por dia em francês e, quando dá tempo, leio também em
português. Estou lendo Oscar et la dame
rose (disponível em português sob o título Oscar e a Senhora Rosa) de Eric-Emmanuel Schmidt, que também já
virou filme e teatro. Paralelamente, estou lendo também Sou Dessas – Pronta para o Combate da Valesca Popuzuda. Fazia muito
tempo que eu tinha curiosidade para ler esse livro, estou gostando muito.
Leitura concluída. Recomendado. |
O primeiro livro (A Interpretação da Bhagavad Gita) foi um empréstimo da mãe de um
amigo, que soube que eu iria para Índia. Isso me fez ter vontade de escrever um
post sobre religião, líderes espitirituais e livros sagrados da Índia.
Porém, no dia 19 de junho, recebi um
e-mail de uma universidade canadense informando que eu fui aprovada para a
bolsa do ELAP (Emerging Leaders in
Americas Programs – saiba mais clicando aqui)
para ficar 6 meses lá. Passei o feriado de Corpus Christi juntando documentação
para solicitar o visto para o Canadá.
A leitura em francês (para aprender a língua) é recomendada. Mas eu jamais daria este livro para uma criança ler. |
Também gostaria de ter escrito que Corpus
Christi é um feriado católico proposto por uma santa belga (Santa Juliana –
saiba mais clicando aqui).
Também já tinha sido aprovada pelo
programa brasileiro PDSE (Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior). Mas
abri mão dessa bolsa em prol da do ELAP. Dia 27 de junho viajei para São Paulo
para coletar a biometria para o visto. Foi um procedimento de menos de 10
minutos em uma empresa de segurança internacional, chamada VFS Global. Gravaram
um vídeo provando que eu tenho mãos, depois deixei minhas impressões digitais
em um leitor. Posso usar esses dados para pedir visto para o Canadá durante os
próximos 10 anos.
Estou lendo em francês. A estória parece fantástica. |
Agora estou esperando o resultado do
visto, morrendo de medo de ter preenchido algo errado. Daqui a pouco vou
começar a procurar um lugar para morar e organizar outros preparativos. Como eu
vou para o Québec, que fala francês, estou estudando mais francês agora. Foi
essa viagem para São Paulo (de ônibus), que me permitiu ler tantos livros e
colocar um pouco das minhas leituras em dia.
Estou lendo e gostando. |
Quem conhece um pouco a minha vida sabe
que eu entrei na Universidade de São Paulo (USP) em 2005 e me formei em 2009,
em uma época que o programa Ciência Sem Fronteiras não existia. Agora também
não existe, mas foi um programa que eu aprovei muito.
Localização do Québec, província canadense de língua francesa (quase do tamanho do estado do Amazonas). |
Na época, as minhas condições eram muito
pobres. Eu não pertencia ao grupo mais carente de alunos, mas, com certeza,
estava muito abaixo da renda média dos outros alunos. Nesses cinco anos, eu
submeti 16 pedidos de bolsa para estudar no exterior. Todos negados. Acho que a
maioria foi para o Canadá.
Como era uma época que ainda pouca gente
tinha acesso a viajar para exterior, ter tido uma experiência no exterior era
algo que garantia uma boa colocação em uma grande empresa. Na minha opinião,
isso é um resquício da Ditadura, quando era muito difícil para a maioria da
população sair do país e as fronteiras estavam fechadas.
Às vezes, as páginas de Trabalhe Aqui, além de pedirem o nome do
pai e da mãe (o que eu tenho medo que fosse uma discriminação contra pessoas educadas
por apenas um dos pais ou por pais homossexuais), também pedia o número do
passaporte. Eu tirei um passaporte, mesmo sem nunca ter viajado, só para ter um
número para informar e conseguir ser selecionada para as entrevistas. Na época,
nem dava para tirar passaporte na minha cidade.
A IMPORTÂNCIA DE INTERNACIONALIZAR AS NOSSAS UNIVERSIDADES
Já no doutorado, recebemos um aluno de
graduação alemão para ficar no nosso departamento por seis meses. Ele cursava
Ciências da Mente em uma universidade na Alemanha. Ele veio para o Brasil
porque, na Alemanha, todos os alunos são obrigados a fazer seis meses do curso
fora do país. Isso é muito importante para ampliar a mente e as oportunidades
no mercado de trabalho, que hoje é global.
Como a nossa população é muito pobre, a
gente não pode cobrar que os pais mandem seus filhos estudar no exterior (como
a Alemanha faz). Então acredito que o governo estava certo em subsidiar com o
programa Ciência Sem Fronteira. Durante um jantar na Índia, conheci uma solução
interessante, um professor alemão da disciplina Gestão da Cadeia Internacional
de Suprimentos fez uma parceria com uma professora brasileira (da mesma
disciplina) de uma universidade particular quase desconhecida do Paraná. Os
alunos da turma dele (Alemanha) e da turma (Brasil) dela têm que entregar um
projeto feito em conjunto para serem aprovados na disciplina. Uma proposta
ousada, mas que, na minha opinião, vale a pena. Na Grécia, eu também conheci
uma professora brasileira (de Alagoas) que faz de tudo para levar o máximo de
alunos de graduação que ela pode em eventos internacionais. Isso é visão.
Vale lembrar que, quando eu trabalhava em empresa, fiz uma Especialização em Soldagem no Universidade Mauá (em São Caetano do Sul). A universidade me deu dois diplomas, um em inglês e outro em português. Coisa que a USP ainda não faz e custa muito caro fazer tradução juramentada de documentos.
AÍ EU FUI CONHECER O MUNDO, NÃO SÓ PELOS LIVROS...
Continuando a minha vida, comecei a
trabalhar, embarquei em um relacionamento. Deixei duas oportunidades de viajar
(um casamento de uma amiga no Peru e um trabalho nos EUA) por causa desse
relacionamento, porque eu queria casar. Acabei fazendo a minha primeira viagem
internacional para Alemanha em 2012. O relacionamento não deu certo, eu mudei
para carreira acadêmica (comecei o mestrado), porque acredito que seja uma
carreira que me dá estabilidade e flexibilidade para ter uma família (ainda que
sozinha) e eu jurei para mim mesma que nunca mais iria perder uma oportunidade
de viajar.
Depois disso, foi Portugal, França, Chile,
Etiópia e Índia, às minhas custas. Grécia e Países Baixos, financiado pelo governo
brasileiro. Alemanha, Reino Unido, Bélgica e Países Baixo, financiado pelo
governo alemão. Agora no Canadá.
Durante o mestrado e nos dois primeiros
anos, continuei tentando bolsas para o exterior e tive seguidas rejeições. Não
me lembro quantas (Para o Canadá, três). Acho que só ganhei essa da Alemanha
porque um dos pré-requisitos era falar alemão, uma língua nada fácil.
POR QUE A PÓS-GRADUAÇÃO DEVERIA SER UM VÍNCULO TRABALHISTA?
Os alunos de mestrado e doutorado no
Brasil são vistos como crianças. Já escrevi aqui antes que, em outros países
(como a Alemanha e Chile), Pós-Graduação é um vínculo trabalhista, paga-se
imposto de renda e tem-se todos as seguranças garantidas (aposentadoria,
licença maternidade, etc.). Se uma pessoa termina uma graduação, na média, aos
23 anos, um mestrado aos 25, um doutorado aos 29... É mais do que esperado que
ela também constitua uma família nesse período. É a melhor idade para
fertilidade. Já vi muitos anúncios na Alemanha de vaga de doutorado para
mulheres com filhos, com adicional de bolsa por filho. No mínimo, deveria haver
licença maternidade e creche.
Mas o pior não é isso... O pior é que como Pós-Graduação é “bolsa”, na teoria, se o aluno ou a aluna de mestrado ou doutorado morrer ou
ficar inválido(a), a família tem que devolver o dinheiro da bolsa para o
governo, porque o(a) pós graduando(a) não foi capaz de terminar a pesquisa. Pessoalmente,
eu só vi isso acontecer uma vez. Uma aluna morreu de câncer, o departamento em
questão moveu montanhas (não sei como eles fizeram exatamente) para não ir
cobrar da mãe da aluna o dinheiro da bolsa de volta.
Expliquei isso para um amigo e ele
comentou: “o pior não é nem a opção da morte, é a da invalidez. A morte, pelo
menos, é uma vez. Pronto e acabou. Agora imagina se você fica inválida, dando
despesas para sua família durante anos, sem nenhuma proteção do governo e a sua
família ainda tem que pagar a sua bolsa de volta para o governo”.
Agora voltando ao assunto ir para o
exterior durante o doutorado... Na minha opinião, é muito tarde. As pessoas
deveriam ter a possibilidade de ir durante a graduação e o mestrado também. Eu
submeti e fui aprovada provavelmente pelo último programa brasileiro que
permite alguém fazer uma parte do seu doutorado no exterior. Esse programa está
em vias de ser extinto.
FINALMENTE, AS BOLSAS PARA O CANADÁ...
Ele é diferente do canadense em alguns
pontos. O programa brasileiro exige uma carta da minha orientadora e não exige
uma carta minha. Na teoria, alguém pode ser mandado sem querer ir, apenas
porque que o(a) orientador(a) quer. O programa canadense exige uma carta minha,
explicando o porquê eu quero ir e o que eu vou fazer lá, e que eu prove que a
minha orientadora está ciente que eu vou. O programa brasileiro exige que eu
retorne e fique no Brasil pelo mesmo período que eu estive no exterior. O
programa canadense espera que eu volte, mas não exige data nem período de
tempo, apenas que eu concluo o doutorado aqui no Brasil.
Agora o pior de tudo é que a bolsa do
governo brasileiro exigiu um documento chamado Termo de Outorga. Nesse documento, tenho que nomear um fiador (ou
fiadora) que, em caso de minha morte ou invalidez no exterior, vai ressarcir o
governo brasileiro da minha bolsa. O meu fiador e eu tivemos que ter nossas
assinaturas autenticadas em cartório.
Quando esse pedido chegou para mim por
e-mail, o primeiro fiador que eu encontrei é uma pessoa adulta (assim como eu)
que trabalha (assim como eu trabalhava). Eu fui explicar para ele o que eu
estava pedindo. A primeira reação foi achar que fosse muito dinheiro. Eu abri
os documentos oficiais e chegamos a um valor total de 22.000 reais (cerca de
5.000 dólares). Na prática, isso não dá para pagar moradia e comer no Canadá
durante 6 meses. Eu estava pedindo a bolsa brasileira só pelo visto mesmo e
expliquei isso para ele. Ele ficou chocado com o pouco que eu ganho e ainda ter
que assinar um termo desses. E assinou. Graças a Deus, a bolsa canadense saiu e
agora vou poder comer. Não é uma vida de luxo, mas é uma vida viável.
Expliquei para ele que, uma pessoa
favelada que enfrentou muitas dificuldades e, por um milagre, está no
doutorado, é barrada por obstáculos como esse Termo de Outorga (quem é que vai assinar para ela?). É um obstáculo
que não mede mérito (tais como a produção acadêmica), nem sequer carisma do(a)
candidato(a), só mede a classe econômica-social de origem do(a) candidato(a).
Expliquei para ele que, durante os cinco anos da minha graduação, foram
barreiras assim que me impediram de ir para o exterior, mas que, agora, graças
a Deus, tanto fazia. Isso deixou de ser uma barreira. Ele concordou comigo que
era uma barreira inútil, mas tanto ele quanto o meu pai não têm certeza de que
seja realmente intencional e sistemático para tirar a única chance que
candidatos pobres teriam de enriquecer suas pesquisas em outro país.
Curiosidade, na minha carta para a bolsa
canadense, eu escrevi em um francês impecável e avançado (uma amiga e
ex-professora de francês me ajudou a corrigir), que eu tinha um desempenho
acadêmico acima da média (se eles se interessassem era só dar um Google), que
eu falava as duas línguas oficiais do Canadá (inglês e francês, anexei os dois
certificados de proficiência) e que tinha tentado quase 20 vezes, todas as vezes recusadas. Que eu tinha sido uma aluna muito pobre durante a graduação
(nas primeiras vezes que eu tentei), que isso teria feito um grande impacto na
minha vida aos 18 ou 19 anos, mas que agora essa não era mais a minha condição,
que tanto fazia (só faltou eu escrever que se vocês me recusarem de novo, o
governo alemão agradece), mas que eu tinha um blog e pretendia ser professora universitária e que, com a
experiência dessa bolsa, eu esperava ajudar meus futuros alunos a ter
experiências no exterior, especialmente, no Canadá. Bater na mesa escrevendo a carta e
ser dura, para mim, funcionou (depois de quase 20 tentativas negadas). Um outro
amigo comentou... “imagina a carta que você escreveria para o governo
brasileiro. Deve ser por isso que eles nem deixaram você escrever”.
De qualquer modo, são águas passadas. Sigo
em frente!
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