DEZ MENTIRAS QUE VOCÊ JÁ DEVE TER OUVIDO SOBRE ÍNDIOS
Título: Índios do Brasil
Autor: Julio Cesar Melatti
Editora: EDUSP
Ano: 2014 Edição: 9ª
Páginas: 300
O livro Índios do Brasil foi originalmente escrito em 1970, conforme
descrito na introdução “é um livro que devolve ao índio a sua condição de ser
humano”. Geralmente, os índios são vistos por meio de uma mentalidade “romântica”,
a ideia do bom selvagem de Rousseau, que ele é um ser humano livre de defeitos,
que vive em “estado puro”.
Por outro lado, existem também outras
mentalidades, como a estatística. Alguns intelectuais defendem que como os
índios são um número muito pequeno de pessoas, o governo não deveria se
preocupar com eles. Os judeus também eram uma pequena parcela da população
alemã durante o regime nazista, nem por isso, costuma-se achar justo o que foi
feito com eles.
Com a estruturação de órgãos de amparo aos
índios, como a Funai (Fundação Nacional do
Índio) surgiu também a mentalidade burocrática. Alguns funcionários, assim
como em todas as outras profissões, estão lá só pelo salário e se esquecem que estão
lidando com vidas humanas, que pessoas morrem quando não existe o remédio disponível.
A quarta mentalidade é a empresarial. A
ideia de que o índio é preguiçoso e vagabundo e que, por isso, as terras deles
deveriam ser dadas para empresários que iriam aproveitá-las melhor. Os índios
nascem sobre um regime de “tutela” governamental. Eles podem pedir a
emancipação dessa tutela, mas, devido ao um ponto que não está claro na
legislação, se eles pedem a sua emancipação (tornando-se cidadãos brasileiros
plenos), eles perdem também o direito a suas terras. Tecnicamente, eles correm
um risco de ir para abaixo de linha da miséria.
O livro Índios do Brasil é um catálogo que abrange vários aspectos das
diversas sociedades indígenas brasileiras. O livro começa desde a Pré-História,
passando pelas definições das etnias indígenas, o número dessas populações, as
línguas indígenas, como se dá a produção de alimentos, o trabalho, as divisões
sociais, o amor e o casamento, a vida doméstica, a vida política, os ritos,
mitos e crenças, arte, como se deu a conquista do Brasil e uma atualização da
última edição contemplando a situação do índio nos dias presentes.
DEZ MENTIRAS QUE VOCÊ JÁ DEVE TER OUVIDO SOBRE ÍNDIOS
#1 ÍNDIO É TUDO IGUAL
Para
começo de conversa, existem vários povos indígenas no Brasil. A figura abaixo
ilustra todos os povos que ainda vivem no Brasil até nossos dias. As diferenças
culturais entre eles chegam ser tão grandes como, por exemplo, a que existe
entre os russos, os norte-americanos e os árabes.
#2 TODOS OS ÍNDIOS FALAM TUPI
E, não, eles não falam todos tupi-guarani.
Na verdade, a maioria deles não fala. Quando os europeus chegaram aqui, viviam
cerca de 3 milhões de indígenas (*), só que todo o litoral era ocupado por
índios falantes do tupi. Eles ocupavam uma estreita faixa, mas deixaram a
impressão nos europeus de que todos os outros também falavam tupi. Os catequistas
adotaram o tupi como idioma oficial e, em alguns casos, chegaram a obrigar
outros índios a aprender o tupi para se comunicar, criando as tais línguas
gerais do sul e do norte (a nheengatu).
O livro Guia Politicamente Incorreto da
História do Brasil, questiona se essas línguas criadas pelos jesuítas
realmente existiram e foram amplamente usadas. Não vou entrar em polêmica, mas
é um fato que atualmente são faladas cerca de 150 línguas indígenas no Brasil e
muitas não pertencem ao tronco tupi. A figura abaixo ilustra as regiões onde os
idiomas do tronco Macro-Jê são falados (praticamente coincidente com a extensão
do planalto central).
As imagens abaixo mostram as regiões onde
outros idiomas indígenas são falados, das famílias Aruaque, Caribe, Aruá,
Ianomâmi, Tucano, Pano, Txapacura, Nambiquara e Guaicuru. Nota-se que elas
também são faladas em outros países da América do Sul. As línguas da família
Aruaque são faladas no Pantanal e no Caribe, separadas por uma distância de
milhares de quilômetros, o que sugere que esse povo ocupava toda a extensão
entre os dois pontos e depois foram exterminados.
#3 O ÍNDIO DESMATA A FLORESTA
Os índios (a maioria) praticam a
agricultura. E ela pode ser por capões ou coivara. As duas técnicas envolvem o
uso do fogo para preparar o solo. Mas é o fogo colocado numa área preparada e
de pequena extensão. O livro Colapso
de Jared Diamond diz que, nos EUA, existiu uma grande polêmica sobre isso, a
afirmação “os índios desmantavam a floresta” é usada como um argumento que
justificava o assassinato de índios e a tomada das terras, esquecendo que matar
pessoas para tirar algo que elas têm é errado por uma questão ética,
independentemente de qual era a forma com que essas pessoas praticavam a
agricultura.
#4 O ÍNDIO NÃO TEM NOÇÃO DE PROPRIEDADE PRIVADA
Os índios têm, sim, a noção de propriedade
privada. Eles têm bens individuais. A terra é um bem normalmente compartilhado.
Toda família tem direito de cultivar um pedaço de terra para tirar sua
alimentação. Mas as outras coisas são individuais.
#5 O ÍNDIO FICA O TEMPO TODO À TOA ENQUANTO SÓ A ÍNDIA TRABALHA DURO
A divisão do trabalho nas sociedades
indígenas é baseada nos sexos, os homens são responsáveis pela caça, pela
pesca, pela guerra e pela confecção de artefatos como canoas, enquanto as
mulheres são responsáveis pelas demais atividades. Todos homens sabem fazer
todas as funções e todas as mulheres também sabem fazer as delas. Não existe
divisão de trabalho por habilidades. A pesca e a caça são uma atividade de
subsistência, não é um esporte como na nossa sociedade. Se o homem índio volta
para casa sem uma pesca ou uma caça, a família dele vai passar fome. Então é
bem estressante. Além disso, atividades como fazer uma canoa exigem muita força
física e são desgastantes como as atividades de agricultura e cozinha das
mulheres. O esforço e trabalho são igualmente distribuídos entre os dois
gêneros.
#6 OS ÍNDIOS TINHAM ESCRAVOS
Numa sociedade de subsistência, os
indivíduos não conseguem produzir mais do que eles consomem. Toda família só
consegue produzir o necessário para a própria sobrevivência. Inclusive, não dá
para ser solteiro numa sociedade assim. Na nossa, a sobra de salário permite a
um homem comprar comida ou pagar a uma faxineira ou a uma mulher fazer a mesma
coisa e viver bem sozinho (a). Numa sociedade indígena, isso não é uma opção.
Se você ficar sozinho (a), seja homem ou mulher, você provavelmente vai morrer.
Numa sociedade assim, não faz sentido ter um escravo, porque você não teria
como alimentá-lo e ele não iria agregar nada para sua vida. Portanto, não, os
índios não tiveram escravos, com exceção do povo kadiéw do Mato Grosso do Sul.
Esse povo (opnião do blog)
provavelmente tinha contato com os incas e foram influenciados pela sua estrutura
social.
#7 TODOS OS ÍNDIOS SÃO POLIGÂMICOS
Então... Não! A maioria absoluta das
tribos indígenas têm a noção de incesto. Segundo o livro Índios do Brasil, todas têm. É errado fazer sexo com irmãs, mãe,
tia, madrastas, etc. assim como na nossa sociedade. Alguns povos são
endogâmicos, isto é, só aceitam o casamento dentro do povo e dentro de um
determinado clã da família (por exemplo, só com parentes da família da mãe),
outros povos são exogâmicos, isto é, o índio têm que casar com um índia
obrigatoriamente de outro povo. A maioria absolutas deles é monogâmica, em
alguns casos, a poligamia é permitida aos chefes ou é permitida a qualquer um
desde que o homem se case com duas mulheres irmãs. Podem existir também trocas
de esposa e/ou troca de maridos permanentemente ou por um período determinado
de tempo. Mas esse é um tópico que o autor Julio Cezar Melatti não aborda. Ele
menciona brevemente que os Xoclengues (índios da região Sul do Brasil) podem
praticar também a poliandria (uma mulher casada com mais de um homem) e os
casamentos grupais (vários homens que se casam simultaneamente com várias
mulheres).
Comentário do blog, além dos Xoclengues
(que existem até hoje), já ouvi falar de um povo no Mato Grosso do Sul que
praticava o casamento de uma mulher com dois homens (um mais velho e outro mais
novo), mas esse povo foi extinto num período recente. Evolutivamente os
matriarcados deixam menos descendentes, por isso, são mais facilmente extintos.
Os índios sempre tiveram anticoncepcionais, algumas plantas são contraceptivas
naturais. Então não faz sentido falar de uma revolução sexual indígena como
existiu na nossa sociedade na década de 60. Na cultura indígena, o sexo sempre
esteve dissociado da procriação.
#8 OS ÍNDIOS SÃO POLITEÍSTAS
Não. Na verdade, eles não têm uma noção de
“deus” como a nossa. Só existe um povo indígena que tem a noção de um ser que
criou o universo (comparável a um deus) e, na verdade, esse ser não está nem aí
para o que acontece aqui. E o tal Tupã? Tupã significa “trovão” e uma palavra
que os padres jesuítas resolveram usar para designar o deus cristão quando
foram pregar para os índios. A palavra “xamã” veio do nome que os russos dão
aos feiticeiros da Sibéria. Ou seja, não tem nada a ver com índios. A palavra “pajé”
talvez tenha origem numa palavra indígena e ela designa o médium da aldeia, que
pode ser por incorporação (ele alega que um espírito se incorpora nele) ou por
transposição (ele entra em transe alega que visitou outros mundos e, quando ele
volta do transe, compartilha esse conhecimento). Ser “pajé” é algo muito
perigoso. Muitas vezes, eles são acusados de feitiçaria pelos outros índios e
mortos. “Pajé” é uma profissão de vida curta.
#9 O CACIQUE É QUEM MANDA NA ALDEIA
A palavra “cacique” também é uma invenção
de brancos. Na verdade, as tribos não têm uma pessoa que manda nas outras.
Algumas tem um líder que intermedeia conflitos e é o servidor de todos. Uma
pessoa gentil, amada e respeitada. Esse cargo nem sempre é ocupado pela mesma
pessoa, às vezes, existe um revezamento na liderança, às vezes, mais de uma
pessoa ocupam a liderança ao mesmo tempo.
#10 OS ÍNDIOS BATEM NA BOCA PARA FAZER SONS
Isso talvez existiu entre os índios dos
EUA. No caso dos índios brasileiros, isso não existe. Nenhum povo bate na boca
para fazer sons, embora quase todas as escolas brasileiras peçam para as
crianças fazerem isso no Dia do Índio.
A namorada de um amigo é descendente de
alemães e uma vez comentou: “Todo dia do índio eu tinha que ia estender a
bandeira do Brasil vestida de índio. Eu não tenho nada contra índios, mas eu
não sou índia, porque eu tinha que vestir aquela roupa ridícula e ir hastear a
bandeira.”. Não tive coragem de falar, mas pensei: “ E eu sou descendentes de
índios (caiapós do sul) e, na escola, só me pediam para fazer papel de
prostituta ou de ladra, nunca me chamaram para hastear a bandeira no Dia do
Índio”.
Desabafos à parte, muito obrigada a todos
vocês que curtem o nosso trabalho. Por favor, fiquem à vontade para deixar
críticas, sugestões, comentários e acompanhar a nossa página no Facebook.
BOA SEMANA! BOAS LEITURAS!
*Na
verdade, as estimativas aceitas falam de 1 até 6 milhões. Consulte o livro para
mais detalhes.
**Mais
referências sobre cultura indígena:
·
Website
do autor Julio Cezar Melatti
·
Instituto
Socioambiental
·
Povos
Indígenas
·
Conselho
Indigenista Missionário
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