DUAS RAZÕES PARA LER MATADOURO 5 E TRÊS PARA NÃO LER

Imagem retirada do BixaBay.

Hoje é noite de Vesak, uma das mais importantes datas celebradas pelos budistas. É uma noite de lua cheia, que pode cair entre abril e maio, às vezes, até em junho. Ela representa o dia em que buda Gautama nasceu ou, ao que parece, em algumas tradições, em que ele recebeu a Iluminação. Não sou budista, mas me falaram que algumas pessoas acreditam que buda Gautama se materializa hoje em algum lugar do Himalaia e irradia suas vibrações de amor para a Humanidade. Acreditando ou não nisso, o Vesak é uma festa belíssima no mundo todo.
A leitura completada no comecinho desta semana foi Matadouro 5 de Kurt Vonnegut. Trata-se um livro de ficção científica com intuito pacifista, escrito em 1969, no auge da Guerra do Vietnã. Este é o sexto livro da meta e foi indicado por um colega de trabalho.


Kurt Vonnegut, o autor, nascido em 1922 e falecido em 2007, é um norte-americano de ascendência alemã (quarta geração), que, de fato, lutou na Segunda Guerra Mundial. É interessante notar os conflitos que os descendentes de imigrantes passam, qual a dor e o conflito que leva uma pessoa a lutar contra os seus próprios ancestrais? Entre as experiências que o autor alegadamente viveu, está o bombardeio da cidade alemã de Dresden. Esse bombardeio é um fato histórico e matou mais civis do que os de Hiroshima e Nagasaki, mas, pelo que está escrito no livro Matadouro 5, esse fato não foi conhecido pela população norte-americana por mais de 20 anos.
Depois da guerra, Kurt voltou para os EUA e desenvolveu vários trabalhos no jornalismo e escreveu alguns livros de ficção científica. Até que em 1969, quando o autor tinha 47 anos, portanto quando estava  numa idade madura, estourou toda a publicidade negativa sobre a Guerra do Vietnã. Nesse contexto, Kurt resolveu dar sua contribuição à causa pacifista. Ele escreveu e lançou Matadouro 5. Uma ficção científica sobre um ex-veterano de guerra que vivenciou o bombardeio de Dresden (assim como o autor) e que desenvolveu a habilidade de se deslocar no tempo. Por exemplo, ele está no bombardeio e, quase no mesmo instante, consegue se deslocar para o dia do seu casamento, ou para a sua velhice e vice-versa.
Matadouro 5 tem seus méritos. O primeiro deles é defender a causa pacifista. Nós que vivemos num país, como o Brasil, não temos noção da catástrofe que seja uma guerra em seu território. Toda vez que eu penso nisso, lembro-me de um amigo tcheco que fica muito sério e bravo, toda vez que o assunto é uma guerra, mesmo que seja ficcional. “Isotilia, um filme sobre uma guerra não pode ser bonito. Nunca diga isso.”. Mesmo sendo mais novo que eu e nunca tendo vivenciado uma guerra, certamente o meu amigo ainda carrega histórias que os pais e avós contaram para ele.
O livro faz um grande favor a humanidade quando ele descreve os soldados como eles realmente eram: moleques de 18 anos recém-completados, virgens, que não sabiam o que estavam fazendo ali. Bem diferente dos filmes que, até hoje, são feitos. Por exemplo, 12 Strong, cheio de soldados bonitões e maduros no Afeganistão. Gente, acorda para vida! Um soldado assim custa muito dinheiro e muitos anos para ser formado. Ninguém vai mandar um cara desses para o Afeganistão e ele também não vai querer ir. Se ele morrer lá, a perda é muito grande para o governo. Esse é o típico militar que você encontra no aeroporto de Frankfurt, na Suíça, mas nunca, jamais, no Afeganistão. Para esse tipo de lugar, só mandam quem pode morrer, porque “não vai fazer falta” na visão do governo norte-americano, isso é, gente pobre, mal-nutrida e mal-preparada. Ao que parece, na Segunda Guerra Mundial, usaram a mesma estratégia.


Além disso, outro ponto interessante da obra, é que ela integra conceitos budistas, como, por exemplo, a de que o tempo é circular. Em vários momentos da obra, fiquei imaginando que o autor conheceu a filosofia budista e a integrou na estória. E essas são as partes mais interessantes da obra.


Então eu estava toda entusiasmada como o começo da obra, mas... Eu me desanimei do meio para o fim. Vou tentar dar algumas razões. Entre elas:
O autor explora muito a sentimentalidade e a emoção do leitor. Vários momentos ele deixa de ser coerente na narrativa. Curiosamente, são as escritoras que normalmente são acusadas de explorar demasiadamente a emoção da narrativa, ao invés de se ater aos fatos. Por exemplo, ele narra que em determinado evento duas pessoas sobreviveram, na segunda vez que ele conta a mesma estória, apenas uma sobreviveu. Encontrei dois erros grosseiros nesse sentido, que podem ser atribuídos a tradução (quem sabe?);
O autor pode ter estado em Dresden durante o bombardeio, mas, definitivamente o relato dele não é fidedigno. Não, gente, não existia nenhum matadouro em Dresden naquela época. Eu morei na cidade e conheci uma senhora alemã que sobreviveu ao bombardeio. Ela fez um tour guiado para mim, mostrando tudo que aconteceu, como aconteceu, etc. Esse foi um dos maiores exemplos de superação e perdão que eu já vi na vida. Para quem tem curiosidades técnicas sobre como foi o bombardeio, o livro mais detalhado que tenho conhecimento é Dresden – Terça-feira, 13 de fevereiro de 1945 de Frederick Taylor.


Um fato relevante que merece destaque é: se a população norte-americana levou mais de 20 anos para saber o que, de fato, aconteceu em Dresden, imagina quantos massacres e destruições são escondidos de nós atualmente?
Por último, esse livro é muito machista. Assustadoramente machista. Nenhuma mulher faz absolutamente nada nesse livro, a não ser dar, reclamar e ser incompetente. Terminei a leitura pensando que preciso desesperadamente voltar a ler livros escritos por mulheres. No prefácio de Matadouro 5, tem um elogio a obra de Doris Lessing, autora britânica laureada com o Prêmio Nobel. Honestamente não entendo como isso pode ser possível.
Mesmo querendo desesperadamente voltar a ler mulheres, ainda vou me ater um pouco mais à meta. Já comecei a ler Budismo Moderno – O Caminho da Compaixão e Sabedoria de Geshe Kelsang Gyatso, que pode ser baixado gratuitamente, clicando aqui. Aproveite este clima de Vesak, para ler você também.

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