CERVANTES E SUA (NOSSA?) ETERNA LUTA CONTRA AS ADVERSIDADES

Domingo, 27 de maio de 2018. Greve nacional de caminhoneiros. O Brasil está parado. Minhas atividades profissionais e acadêmicas estão se acumulando (provas para corrigir, TCC para ler, artigo para escrever e submeter para um congresso internacional e dois artigos rejeitados em periódicos internacionais, que preciso revisar). Tarefa de casa do alemão. Não sei o que priorizar para atingir meus objetivos de longo prazo. Não sei qual dessas atividades vai me levar mais rapidamente a realização dos meus sonhos. De vez em quando penso que, provavelmente, nenhuma delas.
Ilustração de Dom Quixote, exposta na Biblioteca Nacional do Chile em maio de 2017.
Foto de acervo pessoal.

Aliás, não sei nem quais seriam esses objetivos de longo prazo agora. Tenho um sonho, mas não acredito mais que ele seja realizável. Em alguns momentos, sinto ansiedade e insegurança pelo resultado do processo seletivo para o Canadá, que deve sair entre o meio e o começo de junho (dedos cruzados). Em outros, estou “jogando tudo para o alto” e focando em duas expedições de montanhismo em junho e julho.
Acabo de ler o segundo volume do livro Dom Quixote (Excelente!). Com ele, já li 7 dos 26 livros da meta (relembre aqui). Isto é, 26,9% da meta, como estamos no mês de maio, deveria ter lido 41,6%. Ou seja, estou mais ou menos quatro livros atrasada. O que fazer? Principalmente pensando que os próximos dois livros que eu quero ler não pertencem à meta.
AUTOCONFIANÇA E DETERMINAÇÃO
Recentemente li um artigo sobre autoconfiança, que fez sentido para mim. Como técnica para aumentar a autoconfiança, o texto propõe que, todas as noites, antes de dormir, repitamos as seguintes palavras:
“Tenho a força física e mental, e também o desejo de prosseguir com o que quer que possa surgir, para dominá-lo e ser bem-sucedido(a) em cada empreendimento que eu me empenhe com determinação. Sei que o que procuro conquistar não é apenas para o meu próprio benefício, mas também para o bem dos outros. Deus do meu Coração, assegure-me continuar tendo forças para ver meus empreendimentos se concretizarem e o discernimento de escolhê-los com sabedoria. Eu tenho a força, tenho o desejo, não vou me entregar, me autodominarei.”
Como terminei de ler Dom Quixote, lembrei-me que a obra é citada por diversos outros autores, entre eles, Machado de Assis, no livro Quincas Borba (provavelmente foi a esposa de Machado, Maria Carolina, que o introduziu a leitura desse clássico, confira a história completa no blog Literatura Brasileira) e até o japonês Masaharu Taniguchi em O Livro dos Jovens. Este último é um livro que visava a educar e elevar os ideais da juventude japonesa, a passagem sobre Cervantes está no capítulo 5, intitulado A Força espiritual que se desenvolve enfrentando as dificuldades.
“Conta-se que Cervantes escreveu sua famosa obra Dom Quixote em uma prisão em Madrid. Quando chegou ao último capítulo, ele estava sem recursos para adquirir papel e escrevia em pedaços de couro. Tomando conhecimento disso, um milionário espanhol quis oferecer-lhe o material necessário; mas Cervantes recusou a oferta dizendo: “O Céu proíbe que se retirem de mim os fardos que me são necessários. O que enriquece o mundo é esta minha situação adversa”. Ainda que essas palavras de Cervantes possam denotar uma tendência ao “culto do sofrimento” e relutância em aceitar docilmente as infinitas dádivas de Deus, o episódio serve para mostrar que esse grande escritor produziu sua obra-prima vencendo as adversidades.”

Exposição das Ilustrações da Obra Dom Quixote
Biblioteca Nacional do Chile - Maio de 2017
Foto do acervo pessoal

A VIDA DE CERVANTES: UMA BATALHA INCESSANTE CONTRA AS ADVERSIDADES
A vida de Cervantes, em si, é uma fascinante batalha contra as adversidades. Acredita-se que ele possivelmente era descendente de judeus e teve que esconder esse fato por causa das perseguições de sua época (assim como Santa Teresa d’Ávila). O autor nasceu em Alcalá de Henares, em setembro de 1547, sendo batizado em 9 de outurbro. Essa certidão de batismo só foi encontrada no século XVIII. Ele tinha quatro irmãos e seu pais pertenciam à baixa classe média. A família vivia na corda bamba, mudando-se várias vezes à procura de melhores condições de vida. Com essas mudanças, vieram também as prisões sucessivas do pai, motivadas por dívidas financeiras. Ninguém sabe como Cervantes se educou e aprendeu a ler. Talvez ele fosse autodidata. Mas sabe-se que, desde criança, ele adorava ler.
Em 1566, quando Cervantes tinha 19 anos, sua família se instalou em Madrid. Nesse momento, ele fez sua estreia na literatura com alguns poemas. Parece que ele estava começando a desenvolver uma carreira, quando, sem explicação aparente, ele fugiu para Roma. Ninguém sabe porque ele abandonou tudo e fugiu, acredita-se que fosse por causa de um duelo amoroso.
Em Roma, ele se tornou camareiro de um nobre. No livro Dom Quixote, ele descreve esse trabalho como um dos piores que existe na Terra. É possível que ele tivesse que servir até sexualmente ao seu senhor. Daí Rodrigo, o irmão de Cervantes, arrumou vagas no exército para ambos. Na carreira militar, Cervantes enfrentou os turcos na famosa batalha de Lepanto, onde tomou dois tiros e perdeu para sempre os movimentos da mão esquerda. Mesmo febril, Cervantes, na hora da batalha, saiu do catre e enfrentou heroicamente o inimigo. A luta foi uma verdadeira carnificina, tingindo o mar de vermelho.

Ilustração de Dom Quixote.
Episódio do manteamento do Sancho Pança.
Exposição da Biblioteca Nacional do Chile em maio de 2017.
Foto do acervo pessoal.

Ele voltou e se recuperou num hospital. Recebeu o título de soldado de elite, o que lhe garantia um salário mensal. Participou de mais batalhas até decidir voltar para Espanha com seu irmão mais novo. Nesse momento, eles foram sequestrados por piratas. Cervantes pagou o resgate do irmão (que era bem menor) e ficou preso por vários anos em Argel. Isso deu muito material para as suas obras literárias. Ele tentou fugir quatro vezes. Finalmente, um religioso o ajudou e ele conseguiu.
Quando ele chegou na Espanha, sua família estava na miséria e ele partiu para Portugal, lá tentou vir para o Brasil, mas teve seu pedido negado. Não se sabe o porquê. Se recusarem meu pedido de ir para o Canadá, posso me consolar pensando nisso (risos).
Nesse momento, aos 37 anos, em 1584, voltou para Espanha e se dedicou intensamente à Literatura. Também teve um caso com uma mulher casada de Madrid, com quem teve uma filha chamada Isabel Saavedra. No mesmo ano, casou-se com Catalina, que vinha de uma família importante. Conta-se que ela tinha um parente meio louco chamado Quijada e daí veio o nome Quixote. Ele gerenciou os negócios da família da esposa, Cervantes chegou a ser acusado de improbidade administrativa, até que o negócio quebrou e ele foi preso em Sevilha em 1597. A maioria dos biógrafos acredita que ele começou a escrever Dom Quixote aí.
A primeira parte do livro foi publicada em 1605 e alcançou grande sucesso. Mas isso não garantiu ao escritor a estabilidade que ele tanto desejava. Um oficial foi assassinado na porta da casa de Cervantes, a família tentou ajudar, por causa disso, todos eles foram presos como suspeitos. Até provar que “focinho de porco não é tomada”, eles ficaram muitos meses presos. No fim de sua vida, Cervantes, sua esposa e duas cunhadas se mudaram para Madrid e entraram para uma ordem terceira. Em 1616, ele morreu de hidropsia, doença que o afligia no final de sua vida.

Sala de leitura da Biblioteca Nacional do Chile.
Foto do acervo pessoal.

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