O PROBLEMA DO FUTEBOL É QUE A TERRA NÃO É PLANA - UMA PERSPECTIVA DE ESTRATÉGIA GLOBAL

Pankaj Ghemawat é uma das pessoas mais jovens a se tornar professor em Harvard, aos 23 anos. Ele se dedicou nos últimos 30 anos exclusivamente ao estudo de estratégia empresarial num mundo globalizado. Ele tem um site para quem quer saber mais a respeito (clique aqui). Ele lançou dois livros em 2018: The New Global Road Map e Redifining Global Strategy. O segundo é uma nova edição de um livro que ele escreveu em 2007, Redefinindo a Estratégia Global. Esta edição está disponível em português.

Mais recente edição traduzida para o português. 

Estou lendo a edição mais recente (disponível apenas em inglês), paralelamente com aquele outro livro enorme sobre previsões (vocês devem se lembrar). No prefácio, o autor discorre sobre estratégia global exemplificando tudo com futebol. Como estamos num clima de Copa do Mundo, compartilho quase uma tradução do prefácio, com alguns comentários do blog.
Para ilustrar esta perspectiva sobre globalização – ou o que eu chamo de semiglobalização – vou usar o futebol como metáfora. Os leitores norte-americanos podem se decepcionar que o tipo de futebol que eu tenho em mente é aquilo que eles chamam de soccer, mas até isso já ilustra a diferença entre países. Embora o futebol supostamente seja um fenômeno global – o anterior secretário da ONU Kofi Anan já comentou invejosamente que existem mais países pertencentes a FIFA do que à ONU – o suporte ao esporte é muito desigual e os EUA constituem uma grande exceção à essa paixão internacional.

Existem mais países filiados à FIFA do que à ONU no mundo.

Dito isso, o jogo percorreu um longo caminho desde quando aldeões ingleses começaram a chutar bexigas de porco na Idade Média. O futebol começou a se espalhar internacionalmente com a ascensão do Império Britânico, mas esse processo quase parou completamente no período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, devido a restrições internacionais de transferência de jogadores.
Os anos após a Segunda Guerra representaram um crescimento da rivalidade internacional, particularmente ao redor da Copa do Mundo. Nos fins de 1950 e início de 1960, o Real Madrid surgiu como o primeiro grande time europeu, com jogadores de diversas origens. Mas, até a década de 80, times da Europa Oriental continuavam a limitar o número de jogadores estrangeiros entre um e três por time. Por outro lado, países da Europa Ocidental restringiam a “exportação” de seus jogadores. E a crescente rivalidade internacional não superou as rivalidades entre competições locais, como, por exemplo, jogos entre o Real Madrid e o Barcelona.
O Real Madrid foi o primeiro time europeu a adotar uma estratégia global de vendas.

As barreiras para a mobilidade da mão de obra desapareceram enormemente – para os times, mas não para os países – na década de 90. Pressões econômicas da Europa Oriental e outras partes pobres do mundo levaram ao abandono das restrições e à adoção de estratégias (por parte de vários times locais) orientadas para a exportação de jogadores, assim com várias escolas de futebol voltadas a este propósito. E, do lado da demanda, em 1995, a Justiça europeia derrubou uma lei que restringia o número de jogadores estrangeiros permitidos para um time europeu. Em 1999, o Chelsea se tornou o primeiro time da História da Primeira Divisão de um campeonato inglês a não possuir um único jogador inglês (todos eram estrangeiros). Entre 2004 e 2005, estiva-se que 45% dos jogadores em times europeus fossem estrangeiros. Mas na Copa do Mundo, a FIFA continua restringindo os jogadores por país de origem ou de naturalização.
Diferentes níveis de mobilidade da mão de obra (entre países) têm levado a diferentes configurações. Como a mobilidade é mais intensa no nível dos times, isso contribuiu para concentrar qualidade e sucesso nos níveis nacionais e regionais para os times mais ricos. Na European Champion League, por exemplo, o número de diferentes times que se qualifica nas 8 melhores posições tem diminuído nos últimos 20 anos. Em outras palavras, são sempre os mesmos vencedores. Como um relatório da Deloitte & Touche indica a concentração de retornos (financeiros e esportivos) está nas mãos de 20 times (todos europeus) e aumentando continuamente, uma vez que, quanto mais dinheiro eles ganham, mais jogadores melhores podem ser contratados. O time que mais faturou em 2005, o Real Madrid (373 milhões de dólares), conseguiu esse sucesso não apenas reforçando suas características locais, mas principalmente focando nas vendas globais e o apelo das “estrelas” internacionais, como David Beckham e Ronaldo.
As restrições de jogadores nas seleções fazem com que surgem países "novatos" em todas as Copas e que a diferença de gols numa partida seja cada vez menor (em média, essa diferença é de apenas um gol, 7:1 é exceção!).

No entanto, história do “cada vez mais concentrado” nos mesmos times não se repete na Copa do Mundo. Com os jogadores treinados nos times europeus, um número crescente de seleções de países pobres se tornou competitivo. Por causa disso, nas últimas cinco Copas do Mundo, em média, dois times novos avançaram, pela primeira vez, às quartas de final. E a chegada desses novatos não levou a uma grande diferença no placar: na média, a diferença de gols numa quarta de final caiu de 2 para 1 nas últimas cinco Copas do Mundo [Nota do blog: O Brasil que fica estragando as estatísticas com um 7:1!]. Claramente, a mobilidade da mão de obra dos clubes, quando comparada a das seleções, levou a resultados muito distintos.
A crescente paridade dos times competitivos não significa, no entanto, que as diferenças entre países deixaram de existir. Análises estatísticas detalhadas dos rankings da FIFA jogam alguma luz nesse assunto. Grosseiramente falando, grandes países com origens latinas costumam se sair melhores que países de clima temperado com maior renda per capta.
Chelsea é o exemplo de um time que teve investimentos internacinais e foi bem sucessido.

O movimento internacional de capital também merece consideração. Os anos recentes testemunharam a compra de vários times europeus por investidores estrangeiros (por exemplo, o Chelsea por Roman Abramovitch). Mas tentativas de investimento no Brasil, por exemplo, claramente não deram certo. Considere a empresa americana Hicks, Muse, Tate & Furst e sua decisão de investir no Brasil em 1999. Um sócio da firma declarou naquela época: “É difícil imaginar um setor melhor para investir no Brasil. Se você somar todos os fãs de beisebol, basquebol, futebol americano e hockey dos EUA, o número será menor que o de fãs de futebol no Brasil.”. Baseada nessa estatística bruta a Hicks, Muse, Tate & Furst assumiu o controle do Corinthians. Uma entrada inicial de 60 milhões de dólares e um contrato de dez anos.
Exemplo de tive que teve investimento internacional, mas cuja estratégia não foi bem-sucedida. 

Infelizmente para a empresa, “os campeonatos brasileiros são corruptos e politizados”[palavras do autor]. O Corinthians ganhou o campeonato de times em 2000, mas seu desempenho despencou a partir daí, os fãs começaram a protestar contra os negócios de trocas de jogadores e contras mudanças nas cores do uniforme e a inclusão de propagandas. Em 2003, devido a problemas com seus sócios locais, que eles acusam de apropriação indevida de fundos, os sócios da Hicks, Muse, Tate & Furst deixaram o Corinthians e dois outros grupos estrangeiros que tinham investidos no futebol brasileiro fizeram o mesmo.

O QUE ESTA BREVE DISCUSSÃO SOBRE FUTEBOL NOS FALA SOBRE GLOBALIAZAÇÃO E SOBRE ESTRATÉGIA GLOBAL (FOCO DO LIVRO)?

·        O progresso do futebol reflete o mesmo que vários indicadores de globalização: houve um pico antes da Primeira Guerra, seguido de um retrocesso no período entre guerras, e um retorno após a Segunda Guerra. Esse retorno tem várias dimensões, levando a novos recordes. Ao mesmo tempo, o futebol perdeu ainda mais fôlego nos EUA, de longe, o maior mercado esportivo do mundo ainda se mantém à parte do futebol. A globalização do futebol (assim como nas outras áreas) continua desigual e desnivelada. Essas questões são abordadas no capítulo 1.
·        A falha do futebol nos EUA é um indicador da contínua importância da cultura em cada país. Outros incluem os países latinos com em zonas temperadas com renda per capita relativamente boa (acima dos países da África) que se mantém em boas colocações nos rankings da FIFA. As restrições de mobilidade na Copa do Mundo afetam, mas não tanto quanto uma boa administração e fatores institucionais, por exemplo, o investimento estrangeiro foi favorável para os times ingleses, mas não obteve sucesso no caso brasileiro. Esses fatores prefiguram um quadro para se pensar as diferenças através das fronteiras: o CAGE do capítulo 2 coloca em evidência as diferenças Culturais, Administrativas, Geográficas e Econômicas (CAGE) entre países.
·        A história do Hicks, Muse, Tate & Furst investindo no Brasil o que é provavelmente o viés mais comum na avaliação de uma estratégia transnacional: a ênfase no tamanho que leva a menosprezar a perspectiva das diferenças entre países. O capítulo 3 discute uma estrutura geral para se avaliar os efeitos de estratégias de movimento global – a tabela ADDING VALUE – que vai além do foco do tamanho e na escala do tamanho.
·        As estratégias seguidas pelos times de futebol exigem um range de abordagem lidando com diferentes localizações. Eu me refiro a essas abordagens como estratégias AAA (adaptação, agregação e arbitragem). Vários times têm focado em forjar uma identidade local que se adapta a um lugar particular. Mas também existem vários times que estão se agregando num mercado internacional, como, por exemplo, o Real Madrid. Alguns times de países pobres fornecem jogadores para países ricos, eles atuam em arbitragem. Arbitragem também é relevante na confecção de materiais esportivos para o futebol: a cidade paquistanesa de Sialkot tem um hub famoso de produção há mais de 100 anos, que ainda é relevante para produção mundial. As estratégias de adaptação às diferenças, agregação para superar as diferenças, e arbitragem para tirar proveito das diferenças são tópicos dos capítulos 4, 5 e 6, respectivamente. O capítulo 7 é integrativo: ele analisa a extensão em que é possível misturar ou fundir as estratégias AAA para lidar com as diferenças, em diferentes requisitos.
·        Finalmente, a descrição do futebol está focada na vanguarda de 2006. Porém, mudanças podem ter acontecido. Por exemplo, o presidente da FIFA Sepp Blatter lutou contra o domínio dos times mais ricos nos clubes europeus e, segundo alegam, comparou a transferência livre de jogadores a uma forma moderna de escravidão. Analogamente, sempre há descrições negativas sobre a globalização que alimentam debates se ela está evoluindo ou retrocedendo. O Capítulo 8 usas os insights dos primeiros capítulos para discutir o que você (e a sua empresa) pode fazer AGORA para construir um futuro melhor.
Para quem curtiu as ideias de Pankaj Ghemawat e quer saber mais, vale a pena assistir também o TEDex dele de 2011, que é mais recente que a primeira versão do livro.

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