MARIA FIRMINA E A DENÚNCIA DA ESCRAVIDÃO
URSULA
– PRIMEIRO ROMANCE CONHECIDO ESCRITO POR UMA MULHER BRASILEIRA E O PRIMEIRO
LIVRO A CONDENAR A ESCRAVIDÃO
Era
uma prisioneira...era uma escrava!
Meteram-me
a mim e mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e
infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta
de tudo quanto é mais necessário a vida passamos nesta sepultura até que
abordamos as praias brasileiras. Para caber a “mercadoria humana” no porão
fomos amarrados em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados
como animais ferozes das nossas matas que se levam para recreio dos potentados
da Europa. Davam-nos água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e
ainda mais porca: vimos morrer ao nosso lado muitos companheiros à falta de ar,
de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas humanas tratam a seus
semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de leva-los à sepultura
asfixiados e famintos!
Muitos
não deixavam-se chegar a esse extremo – davam-se a morte.
Nos
dois últimos dias não houve mais alimento. Os mais sofridos entraram a vozear.
Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre nós água e bem fervente, que
escaldou-nos e veio dar a morte a cabeça do motim.
A
dor da perda da pátria, dos entes caros, da liberdade foram sufocados nessa
viagem pelo horror constante de tamanhas atrocidades!
Estas lembranças da escrava Suzana contadas
por Maria Firmina dos Reis, no seu romance Ursula
(1859), são semelhantes a muitas descrições deixadas pela tripulação, por
médicos e padres que empreenderam a travessia do Atlântico: a menor suspeita de
motim nos navios negreeiros desencadeava uma repressão violenta.
Com as ressalvas de que muitas obras podem
ter se perdido ao longo da História, Ursula,
publicado em 1859, é o primeiro romance escrito por uma mulher brasileira e
também a primeira obra a condenar a escravidão.
MARIA
FIRMINA – UMA ESCRITORA MULATA
O trecho abaixo é uma transcrição do livro
Submissão
e Resistência – A Mulher na Luta contra a Escravidão de Maria Lúcia de
Barros Mott sobre a escritora Maria Firmina.
Apesar
de ter deixado um álbum íntimo, espécie de diário escrito ao longo de quase 50
anos, bem pouco se sabe sobre a vida da maranhense Maria Firmina dos Reis (1825
- 1917).
Nascida
em São Luiz, mulata, de uma família de pequenas posses, cujos pais não eram
casados, viveu parte de sua vida na casa de uma tia materna, melhor situada
economicamente. Permaneceu solteira, o que não a impediu de ter-se incumbido da
criação de alguns filhos adotivos.
Aos
22 anos, Maria Firmina apresentou-se para o concurso à vaga da cadeira de
primeiras letras na cidade de Guimarães. Segundo a tradição oral, recuperada
por Nascimento Morais Filho, quando a jovem professora foi buscar o documento
referente à nomeação, seus familiares queriam que ela fosse de palanquim. Recusou, afirmando que “negro não era
animal para andar montado nele”. Isto em 1847!
A
formação intelectual de Maria Firmina parece ter sido feita por ela mesma, dado
o estado precário do ensino público e particular naquela província e a pouca
atenção que se dava ao ensino feminino. Em 1880, conquistou o primeiro lugar em
História da Educação Brasileira, o que lhe valeu o título de “Mestra Régia”. Embora
aposentada do ensino público, continuou lecionando.
Aos
34 anos, Maria Firmina publicou o romance “Ursula”, já mencionado no capítulo
anterior. A partir de então, colaborou sistematicamente na imprensa com poemas,
contos, charadas e impressões, destacando-se o conto “A Escrava”, publicado na “Revista
Maranhense”, em 1887. Escreveu, também, vários poemas exaltando a participação
brasileira na Guerra do Paraguai.
Ao
lado de uma prosa e verso “enlutados”, romanticamente lacrimosa, Maria Firmina
possui uma produção de caráter folclórico que inclui pastoral e bumba-meu-boi.
Fez, ainda, letra e música de um hino em homenagem à Abolição.
A
popularidade da escritora e professora maranhense deve ter sido grande em
Guimarães, pois até hoje naquela cidade “a uma mulher inteligente e instruída
chamam Maria Firmina”!
(Excerto retirado das páginas 61 e 62 do
livro Submissão e Resistência – A Mulher
na Luta contra a Escravidão).
Total solidariedade às vítimas do recente tornado em Moçambique.
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ResponderExcluirMaria Firmina dos Reis, que mulher!!! 😍😍😍 Como pode não aprendermos sua obra no ensino médio? Mas pelo menos tive meu primeiro contato com ela graças ao seu maravilhoso blog! Como sempre, muito obrigada! ❤️
ResponderExcluirGratidão infinita, Rô!
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