REVOLUÇÃO NAXALISTA: UMA HISTÓRIA DE COMUNISMO NA ÍNDIA
Livro Aguapés
da autora inglesa, naturalizada norte-americana (filha de pais indianos), Jhumpa
Lahiri. A autora tem 51 anos e ganhou o Prêmio Pulitzer de Ficção em 2000. Por
favor, me desculpem, mas eu não tenho como falar do livro Aguapés sem dar spoiler. Segue abaixo um resumo da estória.
Jhumpa Lahiri, autora do livro e vencedora do Prêmio Pullitzer de Ficção em 2000. |
A estória começa na cidade de Calcutá, nos anos 40 ou
50. Hoje essa cidade se chama Kolkata. Ela é a capital da Bengala Ocidental, um
estado indiano cuja língua e etnia dominante é bengali. Parece que isso é
completamente diferente de todo o resto da Índia. É quase um país independente
(assim como muitos outros que formam, juntos, o país Índia). Na década de 60,
houve um levante comunista nesse estado, que foi muito violento e levou a um
conflito civil que durou vários anos. Esse conflito ficou conhecido como o
levante de Naxalbari e seus seguidores foram chamados de naxalistas. Naxalbari é uma pequena vila
da Bengala Ocidental, onde o levante começou. Entre os principais líderes do
movimento, se destacam Charu
Majumdar e Kanu Sanyal.
Localização da Bengala Ocidental na Índia. Calcutá (atual Kolkata) era a capital do estado. |
Dois irmãos moram em Calcutá nessa época,
Udayan e Subhash. Os dois são meninos muito estudiosos e seguem uma carreira
acadêmica. Ambos são seduzidos pela propaganda comunista, mas Udayan se
desilude e decide fazer seu doutorado na Costa Leste dos EUA. Subhash fica,
torna-se professor em uma universidade razoavelmente conceituada em Calcutá.
Manash e Gauri são dois irmãos órfãos de pai e mãe, que são criados pelos
parentes. Os dois estão ingressando na faculdade. Manash é colega de partido de
Udayan. Devido à convivência, Udayan se apaixona pela irmã de Manash, Gauri. Os
dois se casam na clandestinidade, sem a autorização dos pais. Isso para a
cultura indiana é um escândalo.
Os pais de Udayan acabam aceitando, porque
já têm um filho nos EUA e não querem perder o outro. Gauri vai morar com os
sogros e para de estudar. Embora Udayan seja muito revolucionário, ele é um
marido indiano tradicional. Então Gauri fica servindo a ele e aos sogros, quase
como escrava. O partido comunista foi proibido. Udayan começa a seguir uma vida
dupla, uma como professor universitário e outra como militante pela causa. Ele
pede a cooperação de Gauri para alguns pequenos atos (tais como levar
bilhetes), mas não conta quase nada a ela. Um dia, um grupo de policiais bate à
porte da casa deles, Udayan foge e se esconde em um lago cheio de aguapés. Os
policiais levam a família para fara de casa e avisam em um alto-falante que vão
matá-los, um por um, se Udayan não se entregar. Ele se entrega. Os policiais o
levam. A família entra em casa e sobe ao terraço, de onde assistem os policiais
matando Udayan. Nada foi noticiado. Ele não está oficialmente morto. Os colegas
de partido, colocam uma pedra no local para homenageá-lo.
Gauri descobre que estava grávida de
Udayan. Os sogros começam a trata-la ainda pior. Subhash volta dos EUA para
consolar os pais e acaba decidindo se casar com Gauri e levá-la para os EUA. Lá
as universidades fornecem moradia e condições para que os pesquisadores de
doutorado sustentem uma família. Gauri tem que se adaptar a uma vida completamente
nova. No começo, é bem traumático e difícil. Ela acaba desistindo das roupas
tradicionais e adotando completamente as roupas e hábitos norte-americanos.
Nasce a filha de Udayan. Eles a chamam de Bela e Subhash a registra como seu
pai. O casamento de Gauri e Subhash é bem difícil e sem amor. Gauri começa a
fazer mestrado e doutorado de Filosofia na universidade, sendo bancada por
Subhash.
Capa da edição que li. Publicada pela Folha para divulgar escritoras mulheres. |
O pai de Subhash morre e ele faz outra
viagem à Índia, levando Bela. A mãe de Subhash começa a apresentar doença
senil, não suportando a dor da perda do filho e do marido. Já, nessa época,
ninguém se lembra mais quem foi o filho dela ou o que foi a revolta naxalista. Subshash
contrata pessoas de confiança para cuidar e, ao voltar para os EUA, Gauri
fugiu. Ela aceitou um emprego de professora em uma universidade na outra costa
do país e só deixa o endereço profissional.
Subhash cria Bela sozinho. A menina teve
momentos difíceis para se adaptar. Mas superou. Cresceu. Foi fazer faculdade em
outra cidade. E passou a adotar um estilo de vida itinerante, sem emprego fixo,
trabalhando em causas engajas aqui e ali até seus trinta e poucos anos, quando
ela se vê grávida e volta para a casa do pai. Nesse intervalo, Gauri e Subhash
estão seguindo sua vida pessoal e profissional separadamente. Subhash já
conheceu uma senhora (Elise) e está namorando. Subshash finalmente conta a Bela
que não é seu pai biológico e, sim, seu tio. De um jeito ou de outro, Bela
digere todas essas informações. Nasce a filha, que é chamada Meghna pelo avô. Com
o passar do tempo, Bela arruma um trabalho fixo e conhece um pequeno produtor
rural idealista (Dew), com quem passa a namorar.
Subhash decide pedir o divórcio e escreve
para Gauri, depois de 40 anos que ela se casou com seu primeiro marido (Udayan)
na Índia. Gauri decide fazer uma viagem à Costa Leste e à Índia para se
reencontrar com seu passado. Não vou dar spoiler
do que acontece nas questões familiares, mas, na questão política, tudo aquilo
pelo qual ela viveu e sofreu (que a tornou viúva) desapareceu completamente.
Ninguém sabe mais quem foi Udayan ou o que foi a revolução naxalista,
construíram prédios em cima das casas, monumentos, etc. A Índia de sua
juventude desapareceu.
Esse livro me tocou, porque a estória
poderia facilmente ser ambientada no Brasil da mesma época. Também me fez
pensar que a exploração da imagem de Madre Teresa de Calcutá fosse só uma
propaganda política para mandar recursos ocidentais que alimentassem a guerra
civil na região indiana. E um aspecto bem mais pessoal, é que eu realmente me
incomodo com pessoas que adotam um viés alternativo de vida. Eu fiquei com
raiva da Bela namorar com um cara sem ambição e sem disciplina, como Dew, mesmo
sabendo que ele era um personagem ficcional. Eu sempre imagino que é muito
doloroso para uma mulher (seria para mim), ser esposa de um cara assim. A vida
de Udayan, de Gauri (antes de ir para os EUA), de Bela ou de Dew são o meu pior
pesadelo. Não consigo desvencilhar (ainda) do que foi a história da minha
família. Quero matar os personagens, mesmo sabendo que eles são ficcionais.
Ainda falta, no Brasil, o insight da autora de mostrar a mesma região da Índia
40 anos depois e dizer “acabou”, “tudo aquilo foi irrelevante, assim como
aquelas pessoas”. Siga a sua vida em frente!
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