NÓS NÃO SOMOS UMA NACIONALIDADE. NÓS POSSUÍMOS UMA NACIONALIDADE, IGUAL POSSUIR UM CARRO, POR ESCOLHA, CAPACIDADE OU AFINIDADE.
Hoje estou com alguma dificuldade para
achar um tema para escrever. Continuo focada em organizar a viagem, escrever a
tese e escrever artigos para publicação. Além disso, estou lendo mais, em
francês e em português.
No momento, estou lendo Au nom de tous les hommes (em português,
Em nome de todos os homens) do
escritor Martin Gray (nascido na Polônia em 1922 e falecido na Bélgica em 2016,
aos 93 anos). Embora a morte desse escritor tenha sido noticiada até pelo G1
(com o título, Escritor Martin Gray,
sobrevivente do Holocausto, morre aos 93 anos, leia a matéria clicando aqui),
eu ouvi falar dele lendo o livro Quando
coisas ruins acontecem às pessoas boas de Harold S. Kushner. Livros, muitas vezes, levam a outros livros.
Martin Gray era um judeu polonês,
portanto, sobrevivente do Holocausto (embora como ele sobreviveu seja alvo de
controvérsias), que perdeu toda a sua família nesse período. Ele emigrou para
os EUA, construiu prosperidade financeira lá, se casou com a jovem Dina. Sua
mulher foi diagnosticada como estéril. Eles buscaram incessantemente novos
tratamentos até que um médico propôs a eles um novo estilo de vida, regrado,
baseado em alimentação saudável e vegetariana (bem parecida com a proposta do
Yoga). A partir da adoção desse novo estilo de vida, Dina conseguiu engravidar
e o casal teve quatro filhos. Eles se mudaram para França. Houve um incêndio
florestal onde estavam as crianças, a mãe tentou ir salvá-los e morreram os
cinco queimados vivos no mesmo evento.
Martin Gray perdeu toda família tragicamente,
duas vezes. Ele seguiu em frente, casou-se e teve mais cinco filhos. Para
relatar sua experiência de superação, ele escreveu Au nom de tous le miens. Segundo a reportagem do G1, esse livro foi
traduzido como Em nome de todos os meus
familiares, mas eu não consegui encontra-lo. De acordo com a Wikipédia,
existe uma controversa sobre o relato do autor de ter estado no campo de concentração
de Treblinka. Alega-se que quem escreveu o livro foi Max Gallo (clique aqui para ver o perfil desse
escritor e político na Wikipédia). Para quem defende essa tese, Max Gallo
colocou Treblinka na estória para vender mais. E Max Gallo também seria o autor
oculto de Papillion.
Depois, em 2004, aos 82 anos, Martin Gray
escreveu Au nom de tous les hommes, Em nome de todos os homens. Diga-se de
passagem, que eu achei o título bem machista. Por que não poderia ser de Em nome de todos os seres humanos? Mas
para um senhor de 82 anos, é perdoável. Nesse livro, ele fala um pouco de tudo.
De como ele encara a vida, de quais as crenças o ajudaram a superar todas as
provações pelas quais ele passou.
Segundo o autor, nós temos um Caim e um
Abel dentro de nós, alusão à Gênesis 4:3-8.
Passado
algum tempo, Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. Abel, por
sua vez, trouxe as partes gordas das primeiras crias do seu rebanho. O Senhor
aceitou com agrado Abel e sua oferta, mas não aceitou Caim e sua oferta. Por
isso Caim se enfureceu e o seu rosto se transtornou. O Senhor disse a Caim:
"Por que você está furioso? Por que se transtornou o seu rosto? Se você
fizer o bem, não será aceito? Mas, se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça
à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo". Disse, porém,
Caim a seu irmão Abel: "Vamos para o campo". Quando estavam lá, Caim
atacou seu irmão Abel e o matou.
Caim representa o nosso impulso para matar
e para violência, enquanto Abel representa o nosso impulso para o bem e para a
bondade. Na sociedade, em geral, Caim tende a ter muita força. Eu me pergunto
por que os livros de Martin Gray não foram traduzidos e publicados em português?
Fiquei impressionada com a habilidade de
adaptação e flexibilidade de vida do Martin Gray. Ele nasceu na Polônia, em uma
família polonesa. Portanto, ele foi educado em polonês. Provavelmente, também
em ídiche ou hebraico. No livro que estou lendo, ele admite que falava pouco
alemão. Só conseguia ter uma comunicação básica. Mas ele se mudou para os EUA e
viveu muitos anos lá, conquistou uma cidadania norte-americana, sempre
trabalhando com o comércio. Então, é óbvio que ele adquiriu um inglês fluente.
Depois mudou para França com toda a família e escreveu seus livros em francês.
Isso já em uma idade que nós consideraríamos avançada. Também me faz pensar como é bobo definirmos alguém por uma nacionalidade, como se a pessoa fosse aquela nacionalidade e não apenas possuísse aquela nacionalidade por algum período de tempo conveniente (como a gente possui um carro). Nós não somos brasileiros, nós possuímos a nacionalidade brasileira, por uma escolha e afinidade nossa. A anuência também é uma escolha.
Preciso fazer alguns paralelos entre
Martin Gray e Hannah Arendt (no livro As
Origens do Totalitarismo), os dois enfatizam a descrença dos judeus em
enxergar a realidade ao redor e negar o que estava acontecendo. Isso é bem
humano e acontece com a gente até hoje. Talvez ainda mais em um tempo de fake news. A Hannah Arendt foi muito
criticada por ser mais enfática e dizer que se os judeus não tivessem cooperado
com os nazistas, as mortes não teriam chegado ao número a que chegaram. Ela cita
como exemplo algum país europeu (não me lembro qual), onde o rabino queimou
todos os documentos sobre quem frequentava a sua sinagoga e depois se matou,
avisando aos fiéis que agora era “cada um por si”. Segundo Arendt, quase a
metade desses fiéis conseguiu sobreviver. Enquanto em locais onde as
autoridades tentaram negociar e cooperar com os nazistas, entregando os colegas
para os campos de concentração (acreditando ou querendo acreditar que não era
para extermínio), praticamente, ninguém sobreviveu.
Para encerrar, preciso
recomendar um livro para quem deseja conhecer a importância do povo judeu para
a formação do Brasil, Os judeus que
construíram o Brasil, das professoras da Universidade de São Paulo (USP), Anita
Novinsky, Daniela Levy, Eneida Ribeiro e Linda Gorenstein.
Muito
obrigada a você que acompanha o nosso trabalho. Por favor, fique à vontade para
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Texto maravilhoso! Pessoa extraordinária!!!
ResponderExcluirMuito obrigada :)
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