O ÓDIO - WISLAWA SZYMBORSKA
Vejam
como ainda é eficiente,
como
se mantém em forma
o
ódio no nosso século.
Com
que leveza transpõe altos obstáculos.
Como
lhe é fácil – saltar, ultrapassar.
Não
é como os outros sentimentos
a
um tempo mais velhos e mais novos que ele.
Ele
próprio gera as causas
que
lhe dão vida.
Se
adormece, nunca é um sono eterno.
A
insônia não lhe tira as forças; aumenta.
Religião,
não religião –
contando
que se ajoelhe para a largada.
Pátria,
não pátria –
contando
que se ponha a correr.
A
Justiça também não se sai mal no começo.
Depois
ele já corre sozinho.
O
ódio. O ódio.
Se
rosto num esgar[1]
de
êxtase amoroso.
Ah,
estes outros sentimentos –
fracotes
e molengas.
Desde
quando a fraternidade
pode
contar com a multidão?
Alguma
vez a compaixão
chegou
primeiro à meta?
Quantos
a dúvida arrasta consigo?
Só
ele, que sabe o que faz, arrasta.
Capaz,
esperto, muito trabalhador.
Será
preciso dizer quantas canções compôs?
Quantas
páginas da história numerou?
Quantos
tapetes humanos estendeu
em
quantas praças, estádios?
Não
nos enganemos:
ele
sabe criar a beleza. São esplêndidos os clarões da noite escura.
Fantásticos
os novelos das explosões na aurora rosada.
Difícil
negar o páthos[2]
das ruínas
e
o humor tosco
da
coluna que sobressai vigorosamente sobre elas.
É
um mestre do contraste
entre
o estrondo e o silêncio,
entre
o sangue vermelho e a neve branca.
E
acima de tudo nunca o enfada
o
tema do torturador impecável
sobre
a vítima conspurcada[3].
Pronto
para novas tarefas a cada instante.
Se
tem que esperar, espera.
Dizem
que é cego. Cego?
Tem
a vista aguda de um atirador
e
afoito olha o futuro
-
só ele.
(Poema de Wislawa Szymborska, traduzido
diretamente do polonês para o português por Regina Przybycien)
Wislawa Szymborska, recebendo o Prêmio Nobel em 1996. |
Maria Wislawa Anna Szymborska nasceu em
1923 em Bnin, na Polônia. Em 1931, mudou-se com a família para Cracóvia, onde
estudou literatura e sociologia. Devido a uma situação financeira difícil não
terminou os estudos. Em 1945, casou-se com o poeta Adam Woldek, de quem iria
divorciar-se em 1954. A partir de 1953 e por quase trinta anos, trabalho na
revista literária Zycia Literackie. Ao longo da vida, publicou doze pequenas
coletâneas de poemas, pelas quais recebeu o Prêmio Nobel de literatura em 1996.
Morreu dormindo em casa em fevereiro de 2012.
Coletânea de poemas bilíngue (polonês - português), publicada em 2016. |
Li a obra Um amor feliz, publicada
pela editora Companhia das Letras em 2016. Trata-se de uma edição bilíngue, com
versos, no original, em polonês, e a tradução em português. A seleção, tradução
e prefácio são de Regina Przybycien. A coletânea reuni poemas de várias fases
da autora, 1957, 1962, 1967, 1972, 1976, 1986, 1993, 2002, 2006, 2009, 2012 e o
discurso do Nobel de 1996.
Eu gostaria de compartilhar um trechinho
do discurso:
A
maioria dos habitantes da Terra trabalha para se sustentar, trabalha porque
precisa. Não são eles que escolhem o trabalho por paixão, são as circunstâncias
da vida que escolhem por eles. Um trabalho detestado, um trabalho monótono,
valorizado somente porque nem mesmo esse tipo está disponível para todos, esse
é um dos maiores infortúnios humanos. E não há indícios de que os próximos
séculos trarão mudança para melhor.
Posso
então dizer que, embora negue aos poetas o monopólio da inspiração, mesmo assim
coloco-os no grupo seleto dos escolhidos da sorte.
Aqui,
entretanto, pode surgir dúvidas nos ouvintes. Diversos torturadores, ditadores,
fanáticos, demagogos lutando pelo poder com a ajuda de quaisquer palavras de
ordem bradadas bem alto também gostam de seu trabalho e também o executam com
fervorosa inventividade. Sim, mas eles “sabem”. Sabem, e aquilo que sabem basta
de uma vez por todas. Não querem saber de nada mais, pois isso poderia diminuir
a força de seus argumentos. E todo conhecimento que não gera em si novas
perguntas logo se torna morto, perde a temperatura que sustém a vida. Nos casos
mais extremos, que conhecemos bem da história antiga e contemporânea, pode até
ser um perigo mortal para as sociedades.
Muito obrigada a você que
acompanha o nosso trabalho. Por favor, fique à vontade para deixar seus
comentários. Também é possível acompanhar as novidades pela nossa página
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[1] Trejeito, jeito do rosto, careta
cômica.
[2] qualidade
no escrever, no falar, no musicar ou na representação artística (e, p.ext., em
fatos, circunstâncias, pessoas) que estimula o sentimento de piedade ou a
tristeza; poder de tocar o sentimento da melancolia ou o da ternura; caráter ou
influência tocante ou patética.
[3] Maculada, difamada, caluniada ou
desonrada.
Que escritora maravilhosa! 😍 E quantas verdades ela disse :/
ResponderExcluirSim. Eu me apaixonei por ela.
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