POR QUE É TÃO DIFÍCIL TERMINAR?
Por que é tão difícil terminar? Não estou
falando de relacionamentos (apenas). Há algumas semanas, entreguei o texto da
tese para a qualificação. Os últimos dias foram os mais difíceis, porque eu
ficava postergando, adiando com atividades inúteis ou menos importantes que
eram passadas à frente.
Esse comportamento é tão recorrente na
minha vida que hoje faltavam menos de 30 páginas para terminar de ler o livro Bonjour Tristesse (Bom dia, Tristeza) e eu não terminava. Posterguei o máximo
possível. A leitura não fluía. Também preciso comprar passagens e me preparar
para uma viagem de 10 dias pelo Brasil, que não fiz. Até o final do mês, quero
ir para o Canadá (para ficar 6 meses, está chegando, gente!). Mas, até isso,
que é importantíssimo, eu postergo. Acho que o mecanismo por trás é o medo. O
medo do sucesso. O medo da felicidade. O medo de dar certo.
Mas deixa eu escrever um pouco sobre as
coisas que li e aprendi essa semana. O escritor Joel Rufino dos Santos talvez
seja o autor que mais impactou a minha pré-adolescência. Eu frequentava a
Biblioteca Municipal de Ituiutaba e lá eu encontrei o livro O Soldado que não era sobre a vida real
de Maria Quitéria, uma mulher que disfarçou de homem para lutar pela
independência do Brasil e chegou a comandar um pelotão (isso em 1822!). Hoje
ela é matrona do Exército Brasileiro. Esse livro me fez pensar que eu poderia
fazer qualquer coisa.
Nesta semana, assisti uma palestra antiga
de Joel Rufino dos Santos para o programa Café Filosófico da TV Cultura,
chamada O encontro com o outro. Vou
deixar o vídeo aqui embaixo. Na palestra, o escritor fala de como criamos o conceito
de “outro”. Antes de falar de um “outro” negro, ele fala de um outro “pobre” versos
um outro “intelectual”. O intelectual é um outro para o pobre e o pobre é um
outro para o intelectual, segundo dos Santos.
Quero fazer um parênteses, hoje eu encontrei um ex namorado que, assim como dos Santos é negro e muito inteligente, e que, com quem, na época, não consegui levar o relacionamento à frente porque não consegui enfrentar o racismo (o meu e os das pessoas ao meu redor). Encaro falar da literatura de autores negros como uma forma mínima de tentar reparar os meus erros do passado. Ainda mais em uma semana como essa, que perdemos Toni Morrison. Nos jornais, li muitas vezes que ela foi a primeira mulher negra a ganhar o Nobel de Literatura. Na verdade, ela foi a única até hoje. e está na minha lista de leituras prioritárias.
Em algum momento, dos Santos fala que a
literatura é a voz dos pobres ou descreve os pobres e cita Graciliano Ramos
como exemplo. Isso é verdadeiro para o caso de Graciliano Ramos. Mas o livro Bom dia, Tristeza é justamente o oposto
disso. É a riqueza para ricos, com problemas de ricos. Não sei se é, nem
sequer, uma crítica.
Vou dar spoiler aqui. Bom dia,
Tristeza é uma estória contada na visão da adolescente Cécile. Ela ficou
órfã criancinha, durante um certo tempo, foi cuidada por uma amiga da mãe,
Anne, e depois foi mandada para um colégio interno de freiras. O pai dela é um
solteirão mulherengo. Ele a tirou do colégio interno há poucos anos e agora os
dois estão vivendo uma vida louca de baladas. Isso no comecinho da década de 50
na França. O pai tem sempre jovens mulheres por um certo período de tempo, que
ele troca com frequência. Aprendi o termo que era usado para essas mulheres há
pouco tempo, “semi-mundanas”. Esse termo designava mulheres sustentadas por
parisienses ricos até a Primeira Guerra Mundial. Depois disso, o termo caiu em
desuso.
Cécile, seu pai e uma jovem modelo russa,
semi-mundana, chamava Elsa partem para uma temporada de verão na praia. Lá
Cécile conhece Cyril e se envolve sexualmente com ele. Não sei se é a primeira
experiência sexual dela, mas as descrições são bem marcantes (talvez não tão
explicitas). Isso causou um certo alvoroço da crítica literária na época.
Enquanto isso, Anne resolve visita-los. Anne é uma mulher madura (a amiga da
mãe), intelectual, responsável. Ela seduz o pai de Cécile. Ele abandona Elsa e
anuncia que vai se casar com Anne. Só que isso repercute na vida de Cécile.
Anne quer Cécile estude, que não fume durante as refeições, que não transe com
seu namorado às escondidas, etc.
Cécile então traça um plano com Cyril e
Elsa. Cyril e Elsa passam a vingir que são namorados para provocar ciúmes no
pai de Cécile. O pai acaba seduzido, Anne descobre. Pega o carro transtornada
com a cena, Cécile se sente arrependida (pois ela tinha sentimentos confusos
com relação a Anne), sofre um acidente na estrada (ou comete suicídio?) e
morre. Poucos dias depois, Cécile e seu pai retornam a vida de balada, pegando
gente nova, como se nada tivesse acontecido. Exceto quando, algumas vezes,
Cécile se lembra de Anne durante as madrugadas, ao que ela chama de “bom dia,
tristeza”.
Eu senti uma identificação com a Anne. Foi
muito comum que eu me apaixonasse por pessoas com uma vida diferente da minha,
mais superficial e mais festeira. E também mais mulherengo. Ainda sinto uma
certa fascinação por isso.
Uma vez estava assistindo ao filme Elis,
sobre a vida da cantora Elis Regina, com um relacionamento que é o contrário de
tudo isso. Um rapaz muito caseiro e inteligente, o que a gente chama de “bom
moço”. E a Elis teve dois casamentos. O primeiro deles com seu produtor, com
quem me parece que ela teve um filho. Segundo o filme, Elis viajou para uma
turnê na Europa e, enquanto isso, seu marido estava fazendo sexo com outra
mulher no Brasil. Parece que ela descobriu e eles acabaram pedindo o divórcio.
Exatamente na cena de sexo, meu companheiro comentou: “Também, casa com um cara
mulherengo e depois quer que ele mude.”. O que é uma grande verdade. Talvez a
fascinação por “sujeitos mulherengos” venha da fantasia que o amor será capaz
de mudar a pessoa, que eu saí “vencedora” entre tantas outras que vieram antes.
Mas isso tudo é uma grande bobagem.
Agora independentemente de qual seja o
perfil de pessoa com que nós estejamos ou de relacionamento, uma coisa que não
vale a pena nunca é tirar (ou se quer) pensar em tirar a própria vida por causa
de uma desilusão. O professor Hermógenes (pioneiro do Yoga no Brasil, que
também já escreveu vários livros) dizia que iria criar a religião do
desilusionismo. Toda vez que pessoas ou fatos nos desiludem, eles estão tirando
uma ilusão da nossa vida e nos permitindo viver uma vida mais livre. Por isso,
deveríamos ser gratos.
Na semana passada, falei de relacionamentos
abertos. Uma vez, um rapaz me propôs um relacionamento aberto e eu gostava
muito dele. Passaram-se alguns meses, ele conheceu uma moça na dança. Ele veio
me contar que estavam ficando, eu falei que não tinha problema (o que, para
mim, naquele momento, não tinha mesmo). Depois ele se apaixonou por ela e
terminou comigo, o que foi muito doloroso. Mas, na hora (eu tinha feito Yoga e
meditação antes da gente conversar e já sabia qual seria o tema da conversa,
então, estava psicologicamente preparada), tinha pedido para ele falar devagar
e ele começou a se culpar pelo término e usou uma expressão como “não sou como
uma máquina, tenho falhas”. Na hora, fui tomada por um sentimento, eu falei sem
pensar, “eu amo essa máquina com as falhas dela”. E a conversa parou. Antes ele
estava em um loop de falas
repetitivas. Fui tomada por um sentimento de amor tão grande, igual eu nunca
tinha sentido na vida. Aquele amor do “vai, filho, vai ser feliz!”. Parece que
eu me livrei de uns 20 anos de carma naquele momento. Eu me senti liberta e,
talvez, ele também. A conversa mudou a entonação e a gente terminou rindo.
Não sei nem o porquê estou contando isso
aqui. Era sobre o tema não vale a pena se matar por amor, nem mesmo sofrer. O
livro Bom dia, Tristeza é excelente
no sentido do estilo e escrita. Mas é uma leitura sobre um mundo de riqueza e
devassidão, que, para alguns, vale a pena. Para o momento que estou vivendo
agora, a leitura ajudou a aperfeiçoar meu francês e me fez pensar sobre a
inutilidade de investir em certos relacionamentos (ou, pelo menos, se investir,
vou consciente sobre o que esperar). Por outro lado, é um livro muito fora da
realidade da maior parte dos seres humanos. Nós que temos problemas assim,
somos privilegiados.
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BOA SEMANA!
BOAS LEITURAS!
Nós temos duas formas de aprender, através da experiência em si, ou adquirindo conhecimento pela sabedoria do outro! E isso você faz como ninguém, minha querida amiga! Seu blog é como um espelho da sua alma, onde parece que conseguimos sentir pedacinho tudo por pedacinho de tudo que você já aprendeu! Eu até hoje ainda não aprendi a terminar nada, porém tenho esperanças de que seu texto me ajude nessa tarefa! Toda vez que eu passar por uma situação parecida, voltarei neste texto! Muito obrigada!!!
ResponderExcluirRô, muito obrigada. Você também tem muito a compartilhar com seu conhecimento e experiência. Comece! :)
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