HISTÓRIA DA MULHER COLONIAL NO BRASIL E NO CANADÁ FRANCÊS: NOSSAS HEROÍNAS
Eu passei em uma livraria na Universidade
de Sherbrooke e encontrei um livro para jovens em francês, intitulado “Nossas
Heroínas”. É uma lista de diversas mulheres que ajudaram a construir a História
do Québec. Eu não comprei o livro, mas tirei uma foto das mulheres listas e
estou pesquisando, aos poucos, o que cada uma fez. Achei que iria ficar muito
pobre se eu só listasse essas mulheres. Então, resolvi escrever em paralelo com
personagens brasileiros que eu julguei terem uma história parecida e comparável.
Marie Rollet e seus filhos. Estátua localizada na cidade de Québec. |
Marie Rollet (1580 – 1649) foi
a primeira mulher francesa a emigrar
para o Canadá, com seu marido Louis Hébert. Jeanne Mance (1606 – 1673) foi
uma pioneira francesa, que emigrou para o Canadá. É considerar a primeira enfermeira laica do país e co-fundadora
da cidade de Montréal, onde fundou e dirigiu também um hospital.
Estátua de Jeanne Mance, localizada em Montréal. |
Eu não sei quem foi a primeira mulher a
emigrar para o Brasil. Também não sei quem possa ser considerada a nossa primeira
enfermeira. Mas eu coloco a minha mão no fogo que foram mulheres judias. A Wikipédia
em português sobre imigração portuguesa para o Brasil (acesse aqui)
é uma “lástima”, no meu ponto de vista.
AS PRIMEIRAS MULHERES QUE CHEGARAM AO BRASIL: MAJORITATIAMENTE
JUDIAS
Se eu tivesse que chutar, eu diria que a
primeira mulher a emigrar para o Brasil foi Branca Dias (1515 – 1558). Branca Dias foi uma mulher de negócios,
senhora de engenho, teve mais de 14 filhos e foi condenada pela Inquisição,
acusada de continuar praticando a sua fé judaica secretamente. Ao que tudo
indica, era verdade.
Peça de teatro inspirada na vida de Branca Dias. |
Segundo a Wikipédia em português (clique
aqui para ler), foi a
primeira mulher a ter uma sinagoga em suas terras, foi a primeira mulher a
educar meninas e ensiná-las a ler e uma das primeiras senhoras de engenho. Ou
seja, havia outras senhoras de engenho, isso leva a crer que ela não foi a
primeira mulher a chegar no Brasil.
Casa de Branca Dias em Recife, conhecida como a "casa mal assombrada". |
De acordo com algum dos textos que eu li
sobre Branca Dias, quando a Inquisição lhe disse que ou ela se convertia ao
Cristianismo ou seria queimada viva, ela respondeu: “Eu não me converto, porque
não sou cadela!”. Eu tenho uma certa admiração por Branca Dias, por ter morrido
sem perder a dignidade.
Não tenho certeza se li a transcrição do
depoimento de Branca Dias nesse livro (acredito que não), mas um livro que
gosto muito sobre a colonização judaica no Brasil é Os Judeus que Construíram o Brasil das professoras da Universidade de São Paulo: Anita
Novinsky, Daniela Levy, Eneida Ribeiro e Lina Gorenstein.
O Canadá francês também teve suas
mulheres de negócio no período colonial. Entre elas, destacam-se: Agathe de Saint-Père (1657 – 1748) e Louise de
Ramezay (1705 – 1776). Um dia, talvez eu faça um texto comparando as
empresárias no Brasil e no Canadá. Mas eu teria que pesquisar muito antes.
“Nesse período [séculos XVI e XVII],
vieram para o Brasil portugueses de todos os tipos: ricos fazendeiros,
aventureiros, mulheres
órfãs, degredados, empresários falidos e membros do clero. O foco da
imigração foi a Região Nordeste do Brasil, já que as plantações de
cana-de-açúcar estavam em pleno desenvolvimento. Essa imigração colonizadora ficou marcada
pela masculinidade da população: as mulheres portuguesas raramente imigravam,
pois na Europa o Brasil possuía a imagem de uma terra selvagem e perigosa, onde
apenas os homens poderiam sobreviver. No Nordeste brasileiro nasceu uma
sociedade açucareira rígida, formada pelo colono português e seus escravos
africanos. Para
suprir a falta de mulheres portuguesas, a Coroa Portuguesa passou a enviar para
o Brasil mulheres órfãs que, ao invés de seguirem o caminho religioso, iam se
casar no Brasil. Todavia, os esforços não foram suficientes e a miscigenação
ocorreu em larga escala: as mulheres indígenas e africanas acabaram
por substituir a falta das mulheres portuguesas. Surge, então, o "branco
da terra": filho do colono português com as índias locais. Mais tarde,
surge a figura do mulato: filho do europeu com as africanas.”
Minha primeira implicância é com o
adjetivo suficiente. Quer dizer então que era necessário? Qual teria
sido o número suficiente para curar essa doença, a miscigenação? E a Wikipédia
continua:
“Desembarcaram também na colônia judeus,
muitos cristãos-novos e ciganos. Sob o domínio holandês, centenas de judeus de Portugal e
Espanha se instalaram, sobretudo, em Pernambuco, acrescentando à
diversidade étnica do Brasil colonial.”
Minha segunda implicância aqui é
vincular a imigração judaica no Brasil com os holandeses. As invasões
holandesas no Brasil aconteceram entre 1630 e 1654. Branca Dias morreu em 1558.
Ou seja, quase um século antes. Custa admitir que tinha judeus no Brasil? Custa
admitir que os primeiros “portugueses” que chegaram ao Brasil eram judeus? Não
custa, Brasil.
O Canadá francês teve um movimento para
trazer mulheres para a colônia. As Filles du Roi
(Filhas do Rei, em português) eram
jovens mulheres solteiras que imigravam para a Nova França no século XVII para
lá se casarem, fixarem residência e estabelecer família para
colonizar o território. O rei da França agia como tutor, pagando os custos da
viagem e um dote para o casamento. Eram em sua maioria originárias do noroeste
da França, frequentemente órfãs, de origens modestas e criadas em conventos.
A INDÍGENA QUE SE TORNOU SANTA NO CANADÁ E OS INDÍGENAS QUE
PODERIAM SER NO BRASIL
Entre as indígenas do Canadá francês, Kateri
Tekakwitha (1656 – 1680) foi a primeira canadense a se tornar santa
pela Igreja Católica. Já falamos dela aqui
no blog. Marie
Morin (1649 – 1730) foi uma
freira e historiadora canadense. Foi a primeira mulher, nascida no Canadá, a se
tornar freira. Não tenho a menor ideia de quem foi a primeira freira
brasileira.
Santa Kateri Tekakwitha |
Não é reconhecido pela Igreja Católica,
mas o Brasil também teve o santo popular indígena, chamado Sepé Tiaraju (1723 – 1756).
Sepé foi martirizado por salvar a vida de padres católicos. Como o Brasil teve
o movimento das missões e eu sei muito pouco sobre o assunto, não vou me
arriscar a escrever mais. Porém, acredito que houve outros indígenas católicos
martirizados, que poderiam ter se tornado santos, mas nós os esquecemos
(intencionalmente ou não).
Marie Morion, primeira freira nascida no Canadá francês. |
A MULHER INDÍGENA COMO LÍDER, INTÉRPRETE E DIPLOMATA: NO BRASIL E
NO CANADÁ
Mas hoje eu descobri a mestiça (no
Brasil, ela seria “branca da terra”) Isabelle Couc-Montour (1667 ou 1685 – 1753).
Ela foi uma diplomata, intérprete e líder local do grupo nativo americano
Algonquin e no Canadá francês. Ela começou sua carreira diplomática em Nova Iorque,
ela era interprete de inglês e francês. Foi fugitiva e procurada muitas vezes,
o que a obrigou a mudar de local frequentemente. E ela teve vários amantes e
uma vida libertina.
São Sepé, santo popular brasileiro. |
No Brasil, José de Alencar criou a
personagem indígena Iracema. Ela é ficcional e não faz nada além de chorar e
sofrer por um homem branco. Nada indica que uma personagem assim, de fato,
existiu. Descobri o trabalho da pesquisadora Suellen Siqueira Julio sobre a
mulher indígena colonial (leia o trabalho na íntegra – 14 páginas - , clicando aqui).
A pesquisadora enfatiza a História das
indígenas da capitania de Goiás entre a segunda metade do século XVIII e o
início do XIX. Eu me arrisco a dizer que é por falta de documentos de outros
períodos (ou regiões). Isso não significa que outras mulheres relevantes não
existiram em outros locais e regiões.
Como a própria autora escreve:
“Os relatos de cronistas e a
documentação produzida pelas autoridades de Goiás trazem informações sobre a atuação de
índias intérpretes, ou seja, que exerciam um papel então fundamental na
comunicação entre as autoridades e os índios.”
“Quando José de Almeida Vasconcelos,
governador de Goiás entre 1772 e 1778, enviou uma expedição para atrair os
carajás, em 1775, um dos componentes do grupo era uma índia intérprete, chamada Xuanam-Piá.
Anos mais tarde, em 1780, a expedição enviada pelo governador D. Luís da Cunha,
que iniciou as “negociações” que culminaram no estabelecimento dos caiapós em
aldeamentos, também
contava com duas caiapós intérpretes. As índias, que outrora eram
tratadas como escravas no aldeamento de São José de Mossâmedes, haviam sido
libertas do cativeiro ilegal por ordem de D. Luís. Agora batizadas, casadas e
vestidas, acompanharam o chefe da expedição, em busca de convencer os caiapós a
serem aldeados.”
Livro que inspirou este post. |
“O século XIX seguiu registrando casos
dessas intérpretes. Em 1813, no governo de Fernando Delgado, quando, segundo as
fontes, se procurava conter os ataques coligados dos xerentes, xavantes e
carajás, mais
uma vez a intérprete foi uma mulher, uma índia xacriabá.”
“A frequência de referências a mulheres atuando na função
de intérprete parece se relacionar com o fato de elas, juntamente com as
crianças, constituírem a maioria dos cativos de guerra.”
“O fato de que muitos intérpretes em Goiás – fossem
mulheres ou homens – eram cativos de guerra nos mostra que, apesar da importância
da função que exerciam, não necessariamente essas pessoas tinham uma posição de
prestígio. Contudo, algumas mulheres alcançaram sim um lugar de
destaque nos aldeamentos de Goiás. Uma delas foi Damiana da Cunha, índia caiapó que, entre
1808 e 1831, atuou como importante figura política em Goiás. Neta de
cacique e afilhada do governador Luís da Cunha, Damiana usufruía de uma boa posição
tanto na sociedade colonial quanto no seu povo. Foi educada nos códigos da sociedade
envolvente, tornando-se fluente no idioma português, sem que isso significasse
a perda dos laços com os caiapós de dentro e de fora dos aldeamentos.
No início do século XIX, Damiana encabeçou diversas expedições de descimento, passando
a exercer uma liderança política no âmbito público, reconhecida enquanto tal
por vários agentes coloniais. Essas expedições tinham o objetivo de ir para
fora da fronteira colonial, para o chamado sertão, a fim de trazer de lá índios
que tivessem fugido dos aldeamentos ou atrair os que não haviam sido ainda
contatados.”
“A existência de outras mulheres de destaque, como a
xavante D. Potência e a índia canoeiro chamada Maria, sugere que em Goiás
desenvolveu-se uma cultura política que propiciava chances para que mulheres
indígenas alcançassem uma posição de destaque, desde que conseguissem
demonstrar habilidade política.”
“D. Potência vivia,
na década de 1840, no aldeamento do Carretão, onde estabeleceu contato com o viajante
conde de Castelnau. Este notou que o aldeamento não era regido apenas pela
autoridade oficial, o capitão-mor, mas também por uma mulher com o sugestivo
nome de Potência.”
“Sobre Maria, uma índia canoeiro que
foi chamada de a “nova Damiana”, temos algumas escassas informações. Única
sobrevivente de um ataque brutal dos colonos a uma grande aldeia dos canoeiros,
Maria fora criada por não índios desde os dois anos de idade, o que não a
impediu de atuar nas fracassadas tentativas de negociar com os canoeiros em
1829 e 1830.”
A RESITÊNCIA DA MULHER NEGRA: NO CANADÁ E NO BRASIL
Uma vez, um colega de trabalho me deu
uma indireta de que eu não poderia escrever sobre negros, porque eu não sou
negra. O fato de que eu não sou negra é verdade. Até onde eu sei, sou quase
exclusivamente descendente de índios e judeus. Não tenho nenhuma ascendência
europeia recente. Mas, como eu escutei a monja Coen falando: “Fiz um exame
genético, meu DNA descende de povos indígenas e de povos do Oriente Médio. O
Oriente Médio fica na África. Isso significa que sou judia, sou árabe e sou
negra.”. Israel fica na África. Embora eu não me identifique com a cultura africana
no Brasil, como eu me identifico com a cultura judaica e indígena, eu sinto que
eu posso falar alguma coisa também sobre figuras negras importantes. Sempre com
cuidado e respeito. Se eu escrever algo errado, por favor, me corrijam nos
comentários.
Livro sobre o processo de condenação de Angélique. |
Vamos começar pela mulher negra do
Canadá. Marie-Josèphe faleceu em 21 de junho de 1734. O nome Angélique foi o nome dado por seus últimos proprietários. Marie-Josèphe Angélique foi uma
escravizada negra nascida na Ilha da Madeira em Portugal e vendida no Canadá
francês. Ela foi julgada e condenada por incendiar a casa de seu dono,
queimando muito do que hoje é conhecido como a parte velha de Montréal. Em geral,
havia sido aceito que Angélique era culpada, mas recentemente se argumentou que
ela era inocente do crime e foi condenada mais com base em sua reputação de
escrava fugitiva rebelde do que com base em evidências factuais. Uma teoria
concorrente é que ela era culpada do crime, mas estava agindo em rebelião
contra a escravidão. Nenhum consenso foi alcançado pelos historiadores sobre a
culpa ou inocência real de Angélique.
O Brasil só reconhece oficialmente três
heróis negros, como heróis nacionais: Zumbi dos Palmares, Manuel Congo e Marianna
Crioula. Eu escrevi o pouco que eu sei sobre eles antes (clique aqui
para reler). Eu recomendo também este vídeo do guia turístico da Casa da Hera
(museu da casa histórica da empresária e investidora brasileira Eufrásia
Teixeira Leite, 1850 - 1930).
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BOA SEMANA!
BOAS LEITURAS!
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Post maravilhoso!!! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirObrigada
ExcluirComo sempre Isotilia, sua inteligência ímpar ofusca nossa ignorância. Parabéns pelo maravilhoso texto.
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura e elogios, Valter.
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