O QUE ACONTECE QUANDO O DEMÔNIO SAI DO INFERNO? - CULTURA POPULAR NO QUÉBEC


Boa noite, pessoal. Já fiz minhas metas para 2020, inclusive as de leitura. Recomendo a todas as pessoas o mesmo. É um hábito muito bom. Uma amiga escreveu “as metas não são sobre planos e sim pensar no que a gente realmente quer”. Concordo plenamente e achei muito bonito.
Sobre as metas de leitura, este ano são vinte e quatro livros, incluindo 3 canadenses em inglês. Eu comprei os dois primeiros aqui e acredito que seja fácil baixar o outro na internet:

The View from Castle Rock da Alice Munro (Prêmio Nobel de Literatura);

Meta em 2020.


Raised Somewhere Else – A 60s Scoop Adoptee’s Story of Coming Home de Colleen Cardinal;

The Handbook for New Canadians to help new immigrants understand the culture and traditions of Canada de Alfred Fitzpatrick.

Ainda estou lendo o livro do Michel Tremblay, trata-se mesmo de uma saga familiar. O escritor parece muito popular no Québec. É um tema de conversação que sempre me ajuda. Uma canadense me explicou que o primeiro livro da série se chama Chroniques du plateau de Mont-Royal. Outra canadense me disse que só as pessoas muito fanáticas pela série percebem as alusões aos outros livros e que é possível, sim, ler um livro no meio da série e entender a estória (como estou lendo).
Estou em uma parte onde o autor explora o universo mitológico franco-canadense. Estou lendo uma estória de um duende, que saiu a Escócia fugindo de um evento que ele chama de “a Grande Fome” e veio parar no Québec.

AS GRANDES FOMES DA ESCÓCIA E DA IRLANDA

Primeiramente vamos falar da parte histórica. Segundo a Wikipédia, na lista de grandes fomes da humanidade (acesse o link aqui), a única vez que o nome da Escócia aparece é na década de 1690, quando uma fome dizimou 15% da população. Quando eu digito “grande fome na Escócia” no Google, ele me leva a outro link da Wikipédia (acesse clicando aqui), o da Grande Fome da Irlanda. Esse evento aconteceu entre 1845 e 1849 e matou entre 20 e 25% da população. Como a Irlanda e a Escócia são dois países muitos próximos e o duende da estória veio em um navio a vapor (coisa impensável em 1690), vou acreditar que se refere a fome da década de 1840.
Agora vamos à parte mitológica do Québec. Michel Tremblay faz alusão à duas lendas locais: a chasse-gallerie e o Bonnehome Sept Heures.

A LENDA DA CHASSE-GALLERIE

Segundo a Wikipédia, em francês, essa estória existe na província francesa de Poitu e no Québec. Na variação canadense, eles usam um barco voador. Essa versão se caracteriza por um grupo de lenhadores de Gatineau (cidade do Québec que faz fronteira com Ottawa, capital do Canadá) que, na véspera de Ano Novo, quer visitar suas mulheres, que moram a 160 quilômetros de distância.



Chasse-Gallerie de Henri Julien de 1906. Esta obra está no Museu de Belas Artes da cidade de Québec.


Mas a única maneira de chegar lá e voltar a tempo de trabalhar na manhã seguinte é com a chasse-gallerie (a canoa voadora). Os lenhadores fazem um pacto com o diabo para usar sua canoa que voa pelo ar e os transporta a toda velocidade. Em troca, eles não devem blasfemar durante a viagem, nem bater na canoa com os campanários de uma igreja e voltar antes seis horas da manhã seguinte. Caso contrário, eles perderiam suas almas. Para garantir que eles sigam essas regras, os homens concordam em não beber outra gota de álcool antes do final da viagem.
As aventuras e o final da história variam de acordo com as versões. Em geral, os homens conseguem manter a alma. Em algumas versões, os viajantes não escalam uma canoa, mas um objeto mágico, como o cabo de um machado que se alonga para que todos possam sentar nele.

A CHASSE-GALLERIE NO CINEMA

O Québec já fez três filmes sobre a chasse-gallerie. A primeira versão foi uma animação chamada Crac de Frédéric Back, em 1981. Inclusive, esse filme ganhou o Oscar de Melhor Animação em 1982.
A segunda versão é do Escritório Nacional do Filme do Canadá (Office national du film du Canada - ONF). Eles produziram um curta metragem de 10 minutos. A animação conta a história de acordo com o conto La legende de canot d’écorce (A Lenda da Canoa de Casca) do escritor Honoré Beaugrand, publicado em 1891.





O filme está disponível no Youtube. Infelizmente sem legenda, mas quem leu o resumo do blog vai conseguir entender bem a estória. Aí preciso passar um recado, o Escritório Nacional do Filme do Canadá tem um aplicativo gratuito (para Apple e Android). Quando a gente baixa o aplicativo, consegue ter acesso a vários filmes dos arquivos deles. Baixei e assisti a um filme de 10 minutos sobre como fazer um iglu. Foi divertido.




Por último, o filme Chasse-Gallerie: La Legende de Jean-Phillipe Duval, saiu em 2016.

BONNEHOMME SEPT HEURES

Já a lenda do Bonnehomme Sept Heures, segundo a Wikipédia em francês, só existe aqui no Québec. Já me perguntaram como se fala boneco de neve em francês. A resposta é simples: Bonnehomme de neige (Bonnehomme de neve). Aí me perguntam o que é bonnehomme? Literalmente um seria um bom homem. Mas acho que isso deve vir de algum termo da Revolução Francesa (estou chutando no escuro) e acho que o significado seria algo como cidadão de bem para gente. Bonhomme Sept Heures seria o Cidadão de Bem das Setes Horas.
A lenda do Bonnehome Sept Heures é mais simples e mais conhecida que a Chasse-Gallerie. Encontrei várias pessoas daqui que não conheciam a lenda da Chasse-Gallerie, mas não conheci nenhuma que não conhecesse a do Bonnehomme Sept Heures.



Logo do Escritório de Filmes do Canadá. Eles possuem um aplicativo gratuito com acesso aos filmes pratrocinados pela organização. O papel deles é semelhante ao da ANCINE no Brasil.


A lenda diz que o Bonnehomme Sept Heures é meio humano e meio demônio. Ele sequestra as crianças que, se divertindo lá fora, levariam muito tempo para voltar para casa antes das sete da noite. Essas crianças nunca serão encontradas.
O Bonhomme Sept Heures é um homem velho, de chapéu, bengala, capa e um saco grande. Dependendo da região, esse saco conteria areia, que ele jogaria aos olhos das crianças, ou seria usada para colocar suas vítimas ali. É uma lenda parecida com o nosso Homem do Saco. Em algumas cidades, o Bonhomme Sept Heures viria do nada. Em outros lugares, sua residência é conhecida pelos pais.

RIGODON – A MÚSICA TRADICIONAL DO QUÉBEC

Para terminar falando de cultura tradicional do Québec, a música tradicional daqui se chama Rigodon. Ela é tradicionalmente tocada no dia 1 de janeiro. O grupo mais conhecido aqui é La bottine souriante. Vou deixar uma música deles aqui: Le demon sort de l’enfer.



REFRÃO
O demônio sai do inferno para dar a volta ao mundo (2x)
Enviado por Lúcifer para reparar seu mundo (2x)

Ele diz para o meu sapateiro, suas botas estão mal soladas,
Com suas costuras desagradáveis, entre no meu carro.

REFRÃO

Ele diz toé (toé é como os locais dizem você) meu açougueiro, sua carne está estragada,
Sua salsicha de sangue tem gosto de nada, entre no meu carro.

REFRÃO

Ele diz para o meu mecânico, você troca de peças por nada,
Com todas as suas grandes contas, entre no meu carro.

Ele diz toé meu violinista, você toca músicas antigas,
Com todos as suas canções, entre no meu carro.

Ele diz meu grande caminhoneiro, suas histórias são mal conhecidas,
Com todas as suas aventuras, entre no meu carro.

REFRÃO

Ele diz meu médico, seus pacientes estão em mal estado,
Com todas as suas consultas caras, entre no meu carro.

REFRÃO

Ele diz toé meu pequeno padre, seus sermões são antiquados,
Com todos os seus adornos, entre no meu carro.

Ele diz para o meu policial, você não se cansou de nos jogar gás,
Com sua maldita cerca, entre no meu carro.

Ele diz toé meu advogado, você está me procurando problemas,
Com todos os seus procedimentos, entre no meu carro.

Ele diz toé meu senador, você não se importa com os eleitores,
E da sua altura, entre no meu carro.



Imagem retirada da Wikipédia. Autor ou autora desconhecido (a).


Você e seu computador, roubam todos os meus direitos autorais,
Com todas as suas gravuras, entre no meu carro.

Ele diz para o meu guarda florestal, nossas florestas estão devastadas,
Com toda a sua serragem, entre no meu carro.

Ele diz toé meu grande banqueiro, você continua nos cobrando,
Seus lucros não parecem, entre no meu carro.

Ele diz toé meu jornalista, com o seu sensacionalismo,
E então toda a sua censura, entre no meu carro.

Ele diz toé meu CEO, você despreza seus funcionários,
Com todos os seus fechamentos, entre no meu carro.

Ele diz toé meu político, suas promessas são inúteis,
Com todos os seus cortes, entre no meu carro.

Me solte, meu pequeno pai,
Volte no seu buraco, moé eu não vou
Covarde, covarde!

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BOA SEMANA!
BOAS LEITURAS!


Comentários

  1. Mais um post sensacional!!! Cada texto novo é uma aula de história e cultura!!! Adoro conhecer a música folclórica de cada região! Vou começar a assistir aos vídeos já! <3 <3 <3

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