INTERPRETANDO NOSSO DNA - O QUE MEUS GENES ME DIZEM
Olá, pessoal. Já voltei para o Brasil.
Estou em uma fase de reconstrução e priorização, pois são muitas demandas.
Estou “comendo pelas beiradas” e começando uma rotina de leitura por lazer. Não
está dando para ler mais de15 minutos por dia. Por isso, hoje vou escrever
sobre outro assunto.
Fiz um teste de DNA recente pela empresa
My Heritage para conhecer a origem
dos meus ancestrais (a empresa não está me patrocinando). Esse tipo de teste
compara o meu DNA com os DNAs das populações atuais de determinados países. Isso não significa que meus antepassados obrigatoriamente vieram de
lá, pois as populações migram com o tempo e o teste tem uma margem de erro.
Se você quiser saber como fazer esse teste e quais são os testes existentes,
existem vários vídeos no Youtube explicando.
Quais são as preocupações mais comuns em
se fazer um teste assim? A primeira
preocupação é segurança da informação. As empresas podem vender os
nossos dados genéticos para outras empresas e fazer muito dinheiro em cima
disso. A segunda preocupação é o eugenismo
e as teorias de superioridade racial. Isso pode ser usado para
justificar uma determinada “superioridade racial”. Nós vivemos a experiência do
nazismo há poucas décadas. Ainda é uma experiência muito recente do ponto
de vista da humanidade.
A My
Heritage não é a única empresa que faz esse teste. Existem outras. Eu
escolhi essa empresa, porque é a que mais faz propaganda e a minha prima fez
nela também. Eu me sinto muito ligada culturalmente ao judaísmo. Há muitos
anos, li um post de uma parente
distante que se converteu ao judaísmo e fez o teste genético. Ela ficou muito
frustrada em saber que não tinha genes judeus, apenas de povos que tiveram
relações com os judeus. Isso não significa que ela não fosse judia, apenas que
houve muita miscigenação e ela não herdou os genes. Os resultados da minha
prima apontaram cerca de 5% de genes judeus asquenazita. Isso me
motivou a fazer o teste também.
A My Heritage é uma empresa israelense, na
minha opinião, com o melhor banco de dados de genes judeus do mundo.
Eles oferecem comparação com: (i) judeus asquenazitas; (ii) judeus sefarditas –
norte-africanos (com os quais eu me identifico); (iii) judeu etíope; (iv) judeu
iemenita; e (v) judeu mizrahi – iraniano. Na minha opinião, faltaram só os
judeus da China. Eu vi alguns vídeos
de descendentes de africanos fazendo esse teste. Honestamente, não achei que o
banco de dados dessa empresa seja tão completo e tão bom para populações
africanas e ameríndias, e vou explicar o porquê com meu resultado:
GENES EUROPEUS
|
77,3%
|
Sul da Europa
|
67,9%
|
Ibérica
|
67,9%
|
Leste da Europa
|
7,1%
|
Norte da Europa e Europa Ocidental
|
2,3%
|
Finlandesa
|
2,3%
|
GENES AFRICANOS
|
13,6%
|
Norte da África
|
10,3%
|
África Ocidental
|
2,2%
|
Nigeriana
|
2,2%
|
África Oriental
|
1,1%
|
Queniana
|
1,1%
|
GENES AMERICANOS
|
7,1%
|
Mesoamericana e andina
|
5,4%
|
Indígena da Amazônia
|
1,7%
|
GENES DO ORIENTE MÉDIO
|
2,0%
|
Oriente Médio
|
2,0%
|
do Oriente Médio
|
2,0%
|
Como vocês podem ver, não deu nada de
judeus. Mas isso não me decepcionou. Era uma curiosidade, não uma expectativa. Até onde eu sei, praticamente todos os meus antepassados chegaram
no Brasil entre 1500 e 1700 e só se casavam entre eles.
Representação visual das origens do meu DNA, conforme fornecido pela empresa. |
Portanto, os 67,9% ibérica (Portugal e
Espanha) não surpreendem. Segundo o texto do My Heritage:
“A região da Península Ibérica, que abrange Espanha e Portugal, foi
historicamente moldada por diversas civilizações e populações distintas
começando pelas antigas tribos ibéricas até o povo espanhol e português dos
dias atuais. Em 1492, os judeus foram
expulsos da região e Cristóvão Colombo navegou para as Américas, dando
início à era de exploração e conquista no Novo Mundo. Os exploradores ibéricos
se espalharam pelas Américas, partes da África e o subcontinente indiano, as
ilhas portuguesas dos Açores e da Madeira, e as Ilhas Canárias espanholas,
deixando sua marca genética nestas áreas. As cirurgias modernas foram iniciadas
na Espanha durante a Era Dourada da
Ibéria Islâmica, por volta do ano 1000 antes de Cristo.”
Batalha de Guadalete, representação feita em 1850, sobre a conquista islâmica de 711. |
Sim, você não leu errado Ibérico
Islâmico. Portugal foi um reino muçulmano, governado por povos do Norte da
África, do ano 711 até 1492. Meros 781 anos que eu nunca estudei na escola. O
importante mesmo era estudar Carlos Magno e a História do Centro da Europa (ironia!).
Inclusive, foram os muçulmanos que
trocaram os nossos dias da semana para “segunda-feira”, “terça-feira”, etc.
Antes os dias da semana tinham nomes de deuses, como segunda-feira em espanhol,
lunes (Dia da Lua e sua deusa). Como
adorar outros deuses vai contra o monoteísmo islâmico (crença em um deus único),
Portugal é quase o único país da Europa que não tem dias da semana associados
ao politeísmo (crença em vários deuses).
A era islâmica em Portugal se divide em
três períodos: (i) regência do Califado de Damasco (de 711 a 756); (ii)
regência do Califado de Córdoba, considerada a Era Dourada da Ibéria Islâmica
(de 756 a 1031); (iii) regência das taifas, pequenos califados, que lutavam
entre si (de 1031 a 1492).
Então meus 10,3% genes
Norte-Africanos eram árabes? ERRRADO! Errou rude, errou feio. Os MUÇULMANOS
dominaram Portugal. Mas, em sua maioria, eles não eram árabes. Eles eram berberes convertidos
ao Islamismo. Berbere é uma palavra árabe que significa “homens livres” (?ou "bárbaros" numa tradução mais controversa). Era
assim que os árabes chamavam as tribos nômades do deserto do Saara. Existem
entre 58 e 75 milhões de berberes no mundo hoje. E eles se dividem em, pelo
menos, três grandes grupos étnicos: os cabilas, os mzabitas e os tuaregues (cada um com escritas e alfabetos próprios). Sim, Tuareg igual a camionete na Volkswagen. Deixo abaixo exemplo de música cabila.
O exame de DNA da My Heritage não faz distinção entre essas etnias, o que é uma pena. O texto do site é:
“Muitos povos da região do Norte da África conhecida como o Magrebe
(que compreende o que hoje são Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia) ligam suas
raízes aos berberes da antiguidade. Os norte-africanos compartilham alguns
traços genéticos com seus vizinhos europeus-meridionais, embora as culturas e
religiões da região tenham sido significantemente afetadas pela arabização e
pela ascensão do Islã após o século VI DC. A colonização e ondas de imigração
ao longo dos últimos dois séculos criaram uma grande diáspora de
norte-africanos; a França é lar de quase 5 milhões de pessoas com herança
norte-africana. Um prato básico em particular trouxe fama à culinária
norte-africana: cuscuz.”
Exemplo de pessoa tuaregue e exemplo do modelo da Volkswagen que foi batizado com o nome Touareg, provavelmente para aludir a resistência do povo tuaregue no deserto. |
Voltando aos genes europeus, eu não sei
explicar os 7,1% de genes do Leste Europeu. Minha família e eu estamos
pesquisando sobre isso. O meu chute é que “slave” (escravo, em inglês) vem de “eslavo”
(pessoa do Leste Europeu). Há registros que os chefes muçulmanos compravam
mulheres louras para os seus haréns. Esses genes podem vir daí. Igualmente os
2,3% de finlandesa. No início, eu achei que fosse um erro. Mas outras
pessoas da minha família materna apresentaram os mesmos genes. Se fosse
escandinavo era mais fácil de explicar, porque os vikings invadiam outros
países (como Portugal). Mas, até onde eu sei, os finlandeses não. Existe uma
grande possibilidade que fossem mulheres traficadas para uso sexual, até prova
em contrário.
Alguns séculos para frente, depois de 1500, o meus 2,2% de
nigeriana também veio (com muito maior probabilidade) do tráfico e escravização
humana para uso, entre outros, sexual. Eu vi uma
afrodescendente brasileira se surpreendendo com o resultado “nigeriana”, porque
ela esperava que fosse no Benin. Na época da maior escravização humana para o
Brasil, essa região era governada pelo Reino de Daomé (hoje Benin e Nigéria). O
teste do My Heritage escreve Nigéria,
mas, se a gente ler as notas explicativas, ele não exclui a possibilidade de
ser o Benin. Limitações do banco de dados da empresa são grandes. Eles consideram "nigeriano", um grande território do Oeste da África. Pode ser do Benin, do Togo, da Mauritânia, etc. Segundo o próprio
texto da empresa: “A Nigéria tem a maior população da África e o seu povo
pertence a mais de 250 grupos subétnicos, dos quais os maiores são o Esan e o
Yorubá.”. Mas o resultado não define se é Esan ou Yorubá.
Bandeira do Reino de Daomé (de 1600 a 1904), onde hoje é o país africano Benin (entre o Togo e a Nigéria). Muitos escravizados que chegaram por Salvador vieram do Reino de Daomé. |
Eu vi vários outros brasileiros afrodescendentes
que apresentaram genes quenianos. Os meus 1,1% de genes quenianos podem vir de origem escravizada,
mas podem não vir. E vou explicar na sequência. Segundo o texto da My
Heritage: “As pessoas de descendência queniana herdaram uma genética altamente
diversificada, de uma região que é lar para quase todos os principais grupos
étnicos encontrados no restante da África. A maioria dos quenianos pertence a
vários subgrupos Bantu.”. Posso pensar que existe uma grande possibilidade de
que meus genes sejam bantus também.
Os genes quenianos podem estar ligados aos 2% de povos do Oriente
Médio. O
Quênia está muito próximo do Oriente Médio. Só tem a Etiópia no meio, e a empresa
coloca as duas regiões na margem de erro do teste. Lembrando que esposa de
Moisés (patriarca do Judaísmo) era do Sudão. Não existia o conceito de racismo
contra negros naquela época. Isso é uma invenção relativamente moderna. É
possível que fosse um casamento consentido entre as partes, que hoje nós
chamaríamos de inter-racial.
O texto do My Heritage explica:
Tanto o banco de dados de genes "do Quênia" quanto "do Oriente Médio" englobam a Etiópia (país que eu amo!). |
O texto do My Heritage explica:
“O Levante, uma região ao leste do Mediterrâneo, é lar de falantes
de árabe, hebraico, aramaico e outros idiomas semitas e também é berço das
religiões abraâmicas. A conquista muçulmana do Levante, no século VII resultou
na ampla aderência ao Islã e no uso do idioma árabe, enquanto grupos menores de
cristãos, judeus, druzos, iazidis e outros também são presentes. O povo do
Oriente Médio emigrou por todo o globo com populações expressivas na Europa e
nas Américas. Com sua história se estendendo até os primeiros povoamentos
humanos, o Oriente Médio é conhecido como o "Berço da civilização".
Com traços de habitação de 9000 AC, Jericó é a primeira cidade fortificada
conhecida. A região é também, provavelmente, lar das primeiras formas de
agricultura humana, governança complexa e alguns dos primeiros registros
escritos que temos conhecimento.”
Eu considero uma “lástima” a explicação
dos genes indígenas do My Heritage. Sou, sim, indígena e tenho orgulho disso.
Mas as origens que o teste aponta, na minha opinião, estão totalmente
equivocadas. Trata-se de onde a empresa conseguiu colher amostras de DNA hoje
em dia e não realmente onde esses povos viviam no período da chegada dos
europeus e da miscigenação. Talvez eu faça um post só sobre isso, mas o texto
de hoje já ficou enorme. Muito obrigada por ter chegado até aqui.
(Para terminar com uma recomendação de leitura, recomendo o livro O Físico de Noah Gordon, que conta a estória de um jovem que sonha em ser médico no ano de 1035. Ele viaja da Inglaterra até o Irã (percorrendo todo o Norte da África e o Oriente Médio) para estudar Medicina na escola de Ibn Sin, personagem real, que foi um dos maiores médicos e cientistas de sua época).
(Para terminar com uma recomendação de leitura, recomendo o livro O Físico de Noah Gordon, que conta a estória de um jovem que sonha em ser médico no ano de 1035. Ele viaja da Inglaterra até o Irã (percorrendo todo o Norte da África e o Oriente Médio) para estudar Medicina na escola de Ibn Sin, personagem real, que foi um dos maiores médicos e cientistas de sua época).
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