CHINESES COMEM MORCEGO E BRASILEIROS COMEM CAPIVARA
A área total do território brasileiro é 8.511.000 km2. A da
área da Índia é 3.287.000 km2. Ou seja, o território indiano corresponde
a quase 40% do Brasil. Isso equivale a dizer que área da Índia é um pouco mais
do que as áreas de todos os
estados das regiões Sudeste, Sul e Nordestes juntas.
Quando eu visitei a Índia, eu desci em Nova Déli (a capital) e viajei
até Mumbai (a maior cidade, semelhante a São Paulo no Brasil). As duas cidades
ficam a cerca de 1.500 km de distância uma da outra, sendo que é preciso ir na
direção oeste, saindo de Nova Déli para chegar em Mumbai. Seria igual a uma
indiana, vamos chama-la de Indira, que visitasse o Brasil, aterrissando em
Salvador e terminando a viagem em uma conferência em São Paulo.
Mapa da Índia com a maiores cidades. Varanasi não consta no mapa (por ser pequena em relação entre as demais), mas ela fica às margens do Ganges, possivelmente antes de Patna. |
Uma pessoa da minha família assistiu um programa de televisão sobre a
Índia. O programa mostrou a cidade indiana de Varanasi. Essa cidade fica às
margens do Rio Ganges e é considerada uma das sete cidades sagradas para o
hinduísmo, religião de 8 em cada 10 indianos. Nessa cidade, existe uma
cerimônia de queima de cadáveres no rio Ganges. Minha parente é evangélica e ela
ficou impressionada com a cerimônia. Ela me perguntou antes, durante e depois
da viagem à Índia se eu fui à Varanasi. Ela recomendou enfaticamente que eu não
fosse (ela me proibiu de ir) e, talvez, até hoje, ela acredite que eu fui em
segredo e estou escondendo esse fato dela.
O choque com a cerimônia talvez venha da Bíblia, pois os Velho
Testamento têm regras muito rígidas sobre sepultamento e funeral. Por exemplo,
o velório (principalmente com caixão aberto) é proibido.
Foto de Varanasi, retirada da Wikipédia. |
Varanasi fica a 751 km a leste de Nova Déli e a 1.430 km também a leste
de Mumbai. É como se uma parente indiana da Indira ficasse preocupada em saber
se, enquanto ela estava no Brasil, ela visitou Juazeiro do Norte (cidade
brasileira, localizada no Ceará, que recebem vários peregrinos religiosos
anualmente). Juazeiro fica a 724 km ao Norte de Salvador, quase a mesma
distância entre Varanasi e Nova Déli. Não teria como a Indira fazer um “passeio
rápido” no Brasil e ir visitar Juazeiro, saindo de Salvador ou de São Paulo. Não
existe isso. Não é fisicamente possível. Além disso, talvez ir a Juazeiro do
Norte não tivesse a menor importância para Indira, como ir a Varanasi nunca
teve a menor importância para mim.
Juazeiro do Norte, embora seja uma cidade muito religiosa, não
representa toda a cultura brasileira, nem mesmo toda cultura nordestina. Da
mesma forma, Varanasi também não representa toda cultura indiana. Não
representa nem sequer toda cultura religiosa hindu, além dela, e de igual
importância, ainda existem as cidades sagradas: Ayodhya, Mathura, Haridwar,
Kanchipuram, Ujjain e Dwarka.
Mas a nossa mente gosta de se apegar mais no que é diferente, no que
choca, no que nos separa, do que nos 90% que nos une. Somos todos humanos. E é
muito mais fácil fazer isso, quanto mais distante for o país ou a cultura,
principalmente em tempos de crise. Durante um período de peste e seca em 1506,
os portugueses culparam os cristãos-novos (isto é, judeus recém-convertidos)
pela crise, o que levou a um massacre com milhares de mortos. Um best-seller de ficção ambientado nessa
temática é o livro O Último Cabalista de Lisboa do norte-americano
Richard Zimler.´
Isso também acontece com, por exemplo, os chineses. Muitas pessoas ainda
acreditam que a China tem uma política de filho único, que foi completamente
abolida em 2015. Quando eu era criança, minha professora de História dizia que,
na China, as mães quebravam os pés das filhas para que ficassem pequenos. Isso
nunca foi uma prática da maioria da população chinesa, e foi terminantemente
proibida pela imperatriz Tseu-Hi, em meados do ano de 1860 (recomendação de
leitura, a biografia A Imperatriz de Ferro – A Concubina que criou a China Moderna
de Jung Chang). Ou seja, quando minha professora de História nos ensinava isso,
fazia mais de um século que essa prática não existia. Na época que eu estudei,
esse tipo de erro poderia até ser aceitável, nem existia internet e o acesso ao
conhecimento era bem restrito. Hoje não é mais aceitável.
Outro exemplo de desinformação foi praticado pelo senador
norte-americano Cornyn, que disse que a culpa é da China pelo covid-19, porque
a população do país “come morcego” (leia notícia em inglês aqui).
As origens do vírus continuam desconhecidas. Mas comer morcego choca porque vai
diretamente contra as leis do judaísmo (que influenciaram o islamismo), no
livro de Levítico (Velho
Testamento), capítulo 11, versículos de 13 a 19, lê-se: “Estas são as aves que vocês considerarão impuras, das quais não
poderão comer porque são proibidas: a águia, [sic] e o morcego.”. Vale lembrar que o apóstolo Pedro
revogou as proibições alimentares do judaísmo (Atos 10: 9-16). Teologicamente,
judeus e muçulmanos são proibidos de comer morcegos, cristãos, não.
As carnes mais consumidas na China, na verdade, são, nesta ordem, porco,
frango e peixe. A China é o maior consumidor mundial de porco e de carneiro, o
segundo de frango e o terceiro de carne bovina. A produção desses animais, no
país, representa mais de 27% da produção de carne no mundo. Eu tirei essa
informação de um artigo em inglês chamado O que é carne na China? (vou deixar o link aqui).
A palavra “morcego” não aparece no texto. Entre os animais “exóticos” para mim,
aparecem: cachorro, cavalo, coelho e camelo (todos proibidos pelo Velho
Testamento, assim como o porco). O mercado de animais selvagens parece ser
ridiculamente insignificante na China e mantido apenas por razões tradicionais.
Segundo a Wikipédia (link aqui),
o morcego faz parte de alguns pratos da culinária asiática, africana e
europeia. Mas dizer que chineses comem morcego é uma extrapolação tão absurda como
dizer que brasileiros comem capivara. Um despropósito. Aliás, também é uma carne proibida pelo Velho Testamento.
Capivara. Foto retirada da Wikipédia. |
Muito
obrigada por permitirem que eu compartilhe isso. Querendo saber mais novidades,
vocês me acham no Facebook e
no Instagram.
Muito obrigada por mais um texto sensacional, ele precisa ser compartilhado para esclarecer todas as pessoas que insistem em utilizar argumentos sem sentido para justificar seus próprios preconceitos! Ainda temos muito o que melhorar como humanidade!!!
ResponderExcluirMuito obrigada, Rô. Com certeza!
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