INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: POR QUE A DESCULPA DE QUE NÃO PODEMOS USAR CIÊNCIA PARA DECIDIR NÃO COLA?
Olá, pessoal. Eu aprendo muito com os comentários
de vocês. Muito obrigada! Um amigo me sugeriu que eu fizesse um segundo post mostrando como é a metodologia
estatística, explicando o que é teste cego, teste de hipótese, grupo de teste,
grupo de controle e demais ferramentas estatísticas, para mostrar o quanto é
sério seguir um método científico. É uma sugestão interessante e muito
desafiadora para mim. Provavelmente vou criar algo em conjunto no blog do
PJPesquisa (acesse aqui).
ANVISA – AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA
Outro amigo, com muitos anos de
experiência em gestão pública (talvez mais de uma década, mas que vai ficar
bravo por ser chamado de velho, risos), me explicou que os remédios são
registrados na Anvisa. Ele acrescentou que já trabalhou com muitas pessoas da
agência, que, na opinião dele, são profissionais super competentes e
capacitados.
Mas também disse que, desde o ano
passado, esses profissionais estão no meio de uma polêmica política em torno da
proposta de Lei 3871/19. Meu amigo me recomendou a reportagem da BBC sobre o
assunto (deixarei o link aqui). Eu só gostaria de lembrar que o liberalismo,
como proposta econômica, pressupõe o fortalecimento e a autonomia das agências
reguladoras, qualquer proposta de diminui a autonomia de uma agência, como a
ANVISA, é antiliberal.
Foto ilustrativa de um avião militar. Fonte: PixaBay |
COMO TOMAR DECISÕES QUANDO NÃO TEMOS TODA A INFORMAÇÃO?
Meu amigo usou o argumento de que, na
gestão pública, às vezes, é preciso tomar decisões sem o conhecimento total do
problema, pois não há tempo. Mexeu comigo, pois envolve a minha área, a ciência
de tomada de decisão, principalmente, decisões estratégicas. É aí que eu quero
fazer um gancho e apresentar algo que estou aprendendo agora, a Matriz de Confusão (Confusion
Matrix, em inglês).
Foto de Londres atual. Imagem retirada do site PixaBay. |
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
Londres foi bombardeada várias vezes por aviões alemães. Os radares aéreos da época
eram muito ruins. Os ingleses viam manchas pretas se movendo no radar e não
sabiam se eram gaivotas ou aviões inimigos.
Sim, era esse o nível de erro absurdo da informação disponível. Além
disso, poderia não aparecer nada no radar e ter um grupo de bombardeiros
camuflados vindo para Londres mesmo assim. Não dava para saber se era um pássaro, era um avião ou era o Super Homem.
Se os governantes e líderes militares mandassem aviões ingleses
para defender Londres em uma provável batalha aérea, e os aviadores
encontrassem só gaivotas, o governo teria gasto um dinheiro absurdo com aviões
e pilotos para nada. Eles estavam no meio de uma guerra, a gasolina de aviação
era escassa.
Foto real da cidade alemã de Colônia, após um bombardeio. Apenas ilustriva para as consequências reais de um erro de tomada de decisão dos líderes. Fonte: PixaBay. |
Se os governantes e líderes não
mandassem ninguém, e, de fato, aqueles borrões no radar fossem bombardeiros
alemães, isso significaria milhões de ingleses mortos em Londres, vítimas do
bombardeio, além de perdas militarmente estratégicas.
COMO SE TOMA DECISÃO DURANTE UMA GUERRA?
Foi nesse contexto que surgiu a Matriz
de Confusão. A Matriz de Confusão nada mais é do que uma matriz com quatro
quadrados. Na parte de cima, nós escrevemos a condição prevista, ou seja,
(i) aparecer uma mancha no radar, apontando que há ou um bombardeiro inimigo ou
uma gaivota no céu inglês, ou (ii) não aparecer nada no radar.
Ao lado dessa matriz, geralmente do lado
esquerdo, nós escrevemos a condição real dos fatos; (i) sim, é um avião
inimigo (teve um bombardeio, eu vi); (ii) não, não é nada (não aconteceu nada).
Dessa forma, a matriz mostra quatro possibilidades,
uma para cada quadrado:
(i)
apareceu uma mancha no radar e ela é um
avião inimigo! Atenção
militares, mandem os caças (Verdadeiro Positivo);
(ii)
Não apareceu nada no radar, mas tem um
avião inimigo vindo! Atenção militares, mandem os caças (Falso Negativo);
(iii)
Apareceu uma mancha no radar, mas é uma
gaivota! Atenção
militares, não façam nada (Falso Positivo);
(iv)
Não apareceu nada no radar e, de fato,
não temos que nos preocupar. Atenção militares, não façam nada (Verdadeiro Negativo).
Filme sobre a vida do matemático britânico Alan Turing, ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2015. Foto da Wikipédia. |
Obviamente, isso foi proposto por meio
de uma formulação matemática que envolve probabilidade. Não quero colocar aqui
para deixar o texto leve. O importante é saber que esse modelo de previsão “aprende”,
ou seja, quanto mais informação adquirida, ou seja, quanto mais
observações do radar comparadas observações da realidade, melhor o modelo prevê
da próxima vez. E
ele aprende extremamente rápido. Muito mais rápido do que qualquer ser humano
seria capaz. Dependendo do problema, com três observações, e o modelo pode prever,
com até 95% de certeza, o que vai acontecer. Isso foi crucial para a vitória
inglesa e essa formulação matemática é a base de muitos modelos atuais de
Aprendizagem de Máquina e Inteligência Artificial.
Outra característica importante é que
esse modelo permite
a escolha da “precisão” do acerto na tomada de decisões e quanto se
aceita pagar, no caso de erro. A precisão representa, por exemplo,
que os governantes ou militares podem decidir que querem estar certos em, pelo menos,
95% das vezes. É
sempre um balanço com o custo de estar certo ou de estar errado,
escolhido pelos tomadores de decisão.
Alan Turing (1912-1954), matemático que decodificou as mensagens nazistas para os ingleses. |
Note que eu estou falando de uma tecnologia militar do começo da
década de 1940, fundamental
para que os ingleses ganhassem a guerra. Não se sabe quem a criou, mas
possivelmente foi uma matemática mulher, por isso, o fato foi escondido para os
militares ingleses aceitassem usar a ferramenta (Ainda bem que nós já saímos do
machismo da década de 40, né?). Pode ter sido, facilmente, uma das matemáticas
que trabalhava com Alan Turing na decodificação das mensagens nazistas. Depois
da Guerra, Alan Turing (1912-1954) foi castrado quimicamente por ser
homossexual (que era crime na época) e se matou por causa disso. Recomendo o
filme “O Jogo da Imitação” sobre a vida deste importante matemático.
Hoje em dia a inteligência artificial
está muito mais evoluída e é possível tomar decisões técnicas muito mais
precisas sobre, por exemplo, como enfrentar uma pandemia, baseada em informações
parciais e preliminares de testes científicos.
Foto ilustrativa de um radar. Imagem: PixaBay. |
Essa desculpa de que “não podemos usar a ciência, porque leva
tempo demais” não cola. Usando
um exemplo prático, o uso da cloroquina. Até 1 de maio, a CONEP (Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa) já tinha aprovado 243 protocolos de pesquisa sobre
covid-19 no Brasil, dos quais 15 avaliam a cloroquina (e/ou derivados). Eles ainda estão em andamento. Resultados, só
preliminares.
Isso seria suficiente para alimentar uma
inteligência artificial aqui no Brasil e fazer governantes tomarem decisões
baseadas em fatos com probabilidade de acerto matemático associado e não em
achismo. Poder-se-ia desenhar cenários e estratégias com margem de acerto de
até 95%. Algo que, se foi feito (e eu duvido), nunca foi mostrado ao público. A
ciência de tomada de decisões em crise parece ainda ser uma tecnologia
desconhecida para os militares brasileiros.
Além disso, como a crise chegou aqui
depois de outros países, seria possível alimentar o modelo de tomada de decisão
com estudos de outros países. Vou deixar aqui um vídeo do canal My News sobre
cloroquina. Ele faz um resumo de alguns estudos disponíveis, todos com
referência.
Muito
obrigada por permitirem que eu compartilhe isso. Querendo saber mais novidades,
vocês me acham no Facebook e no Instagram.
BOAS
LEITURAS!
Iso adorei sua explicação da matriz de confusão...
ResponderExcluirComo sempre um excelente post um grande abraço e ótima semana
Muito obrigada! :) Sucesso, Doutor!
ExcluirComo eu adorei a sua explicação sobre um cálculo tão complexo!!! Você tem uma didática impressionante! 🥰
ResponderExcluirRô, muitíssimo obrigada! Você é uma fofa. Gratidão.
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