COMO ENFRENTAR A POBREZA NO SÉCULO XXI? - IDEIAS DE UM MEGA INVESTIDOR EM INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O jornalista Pedro Dória lançou o livro “Fascismo à brasileira” com o longo e explicativo subtítulo de “Como o integralismo, maior movimento de extrema direita da História do país, se formou e o que ele ilumina sobre o bolsonarismo”. Ainda não tive a oportunidade de ler o livro, mas assisti a algumas entrevistas do autor (link aqui), em que ele faz uma analogia entre o surgimento do fascismo e do socialismo à crise do liberalismo na década de 1930, com o surgimento do Trump e do Bolsonaro à grande mudança de paradigmas pela qual estamos passando neste momento.




Faz sentido. Naquela época, a industrialização levou muita gente ao desemprego e, como não havia nenhum mecanismo de proteção social, desemprego significava morrer de fome, depois de passar por situações extremas. Esse desespero levou ao apoio de das ideias políticas autoritaristas. Atualmente, por mais penosas que sejam as situações, nós, como um todo, não estamos passando por algo tão duro quanto antes. Porém, a Revolução Tecnológica mudou paradigmas de trabalho e emprego. Para usar um exemplo do Pedro Dória, antes uma pessoa de classe média que arrumasse um emprego em montadora no ABC (São Paulo), estava com vida estruturada. Hoje em dia, isso não faz sentido. Para usar outro exemplo diferente do autor, antes da pandemia, a empresa mais cara da América Latina era a Vale do Rio Doce, uma mineradora, uma empresa tradicional, que envolve uma atividade física que mais ou menos todo mundo têm uma imagem mental de como seria (furar um buraco, tirar terra e procurar minério). Agora a empresa mais valiosa da América Latina é o Mercado Livre. Acredito que sejam bem poucas as pessoas que tenham noções básicas de como um modelo de negócios de plataforma digital funciona. No entanto, está aí. Fazendo novos milionários e bilionários e mudando a ordem de como o mundo costumava funcionar. E mudança assusta muita gente. O autoritarismo (da esquerda e da direita) dá a ilusão de segurança.

Segundo o Pedro Dória, o que o economista norte-americano Keynes fez, foi propor uma solução alternativa para o liberalismo, que reduzia a insegurança das pessoas e manteve a democracia. Segundo o autor, nós precisamos pensar um novo “keynesianismo”, que traga soluções para as nossas transformações contemporâneas. Isso vai ao encontro do livro que acabei de ler.

Terminei a leitura de “Inteligência artificial: Como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos” do ex-CEO da Google China e hoje mega investidor em startups de tecnologia, Kai-Fu Lee. Foi um dos livros cuja leitura mais me impactou este ano (competindo fortemente pelo primeiro lugar com “Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos” do Nassim Taleb). É um livro simples e para o público leigo em geral. Mas é um livro longo, com quase 300 páginas, portanto, ele trata de vários assuntos relacionados à inteligência artificial (IA) e, sua forma mais impactante, o aprendizado profundo (DL – deep learning em inglês).




Eu vou comentar apenas o final do livro, onde o autor trata dos impactos que esta tecnologia pode trazer a sociedade. Ele faz um resumo das principais visões existentes, desde as mais utópicas, passando pelas embasadas na realidade, otimistas, negativistas e as catastróficas. Pessoalmente, antes de ler este livro eu achava que todos os temores eram infundados, porque passamos, como humanidade, por diversas revoluções tecnológicas que, sim, causaram impactos negativos no curto prazo, mas, no longo prazo, geraram riqueza e bem-estar generalizado para a população mundial. Porém, o autor me convenceu que existem algumas revoluções tecnológicas que são muito disruptivas - sobre as quais sabemos muito pouco - que podem, sim, gerar apenas impactos negativos para sociedade, sem aumento da renda no longo prazo. A inteligência artificial pode ser uma delas. O argumento do autor é que, o avanço tecnológico da Tecnologia da Informação (TI) nos EUA desde a década de 80, diminui empregos e não gerou nenhum aumento de renda (até hoje) à classe média norte-americana.

Tá bom. Então o autor me convenceu, de modo embasado, centrado e realista, de que há sim razões para se preocupar no longo prazo. Ele me convenceu. Em seguida, ele passa a discutir as soluções de longo prazo. Segundo o autor, as soluções do Vale do Silício (que ele critica) giram em torno dos 3R: reciclar, reduzir e renda básica.

O primeiro R, reciclar, seria estimular o aprendizado contínuo ao longo da vida para que as pessoas desempregadas pela IA possam aprender novas profissões. O autor critica que a transformação é tão rápida que pode não dar tempo de “reciclar” todos os desempregados em novas profissões que provavelmente também serão destruídas pela IA em seguida. Além disso, não dá para esperar que a maioria das pessoas tenham visão estratégica de longo prazo para saber em qual curso existe mais possibilidade de que o investimento dê retorno. O mais provável, é que muitas pessoas fiquem pulando de bico em bico sem nunca conseguirem se estabilizar ou se aposentar.

O segundo R, reduzir, seria reduzir a carga de trabalho das profissões que ainda restaram, obrigando assim, a que sejam criados mais postos de trabalho para exercer a mesma tarefa. Porém, isso acarretará em perda de salário e renda para todos os trabalhadores.

O terceiro R, renda, é estabelecer uma renda que pode ser básica ou mínima. Não lembro quais os termos exatos que o autor usa. Mas existem duas discussões sobre renda, uma que seria dada a todas as pessoas, independentemente da sua riqueza, e outra que seria dada apenas às pessoas pobres. O autor é contra ambas, primeiramente, porque nossa cultura é baseada no fato de que o valor das pessoas está relacionado ao trabalho que elas exercem. Uma medida assim vai ter impacto na autoestima das pessoas vistas como socialmente inúteis. Segundamente, isso pode gerar um sistema de castas econômicas, onde aqueles que são filhos dos cidadãos de segunda e terceira classes terão seu acesso institucionalmente barrado a ferramentas de ascensão social, tais como a educação universitária. O autor alude que isso já acontece em alguns países desenvolvidos (eu sei exatamente de quais ele está falando, mas esse é um dos poucos casos onde é melhor não dar nome aos bois, porque ainda não sou poderosa o suficiente para comprar essa briga e parece que o autor também não).

 O autor também ilustra com um romance de ficção científica chamado “Folding Beijing” (“Pequim Dobrável” em tradução livre) da escritora ficcional , graduada em Física e Economia por uma das melhores universidades da China (Universidade Tsinghua), Hao Jingfang (nascida em 1984). O livro está disponível em inglês e chinês e ganhou o prêmio Hugo Awards em 2016. Trata de uma Pequim futurista, dominada pela inteligência artificial, onde existem três castas econômicas, os livres, os intermediários e os trabalhadores braçais. Cada um tem seus turnos de trabalho e locais especificados para viver e não podem ter nenhum contato entre si. Os prédios se dobram nos horários específicos para evitar esse contato indesejável. Ainda não li, mas quero muito lê-lo. Entrou para minha lista.


Romance de internacionalmente premiado de ficção científica-econômica (inventei essa palavra para explicar que a autora explora como os limites do avanço científico podem ter impactos na economia e na sociedade). 


Depois de criticar as três formas de solução, o autor propõe a sua própria, baseada na sua vivência enfrentando o câncer. Na visão do autor, as profissões que não correm o risco de serem substituídas por IA são aquelas relacionadas ao amor. Mas essas também são as mais mal pagas. Por exemplo, cuidador de idosos foi a profissão que mais cresceu nos últimos anos nos EUA, porém, é uma profissão cujo rendimento financeiro é tão baixo (lá e aqui) que impossibilita o profissional de ter e manter uma vida digna.


Hao Jingfang, autora premiada, graduada em Física e Economia por uma das universidades de elite chinesas. 


O autor propõe que os governos promovam e incentivem uma mudança cultural, tornando essas profissões relacionadas ao cuidado em verdadeiras carreiras bem pagas e com status social, cujas pessoas ambicionem a exercer.  Pensei em um exemplo próxima a mim. Conheço uma família cujos pais são idosos e os filhos decidiram mantê-los na mesma casa onde eles moravam, enquanto for possível. No caso, eles mantêm uma cuidadora durante o dia, duas cuidadoras à noite (por questões trabalhistas sobre horário de trabalho), uma cuidadora que cobre fim de semana, feriado e férias das outras cuidadoras, uma faxineira e uma cozinheira. Tudo legalizado, carteira assinada, certinho. Todas ganham salário mínimo. Além disso, tem um motorista que também faz pequenas manutenções e ganha um pouco mais, talvez um salário e meio. E a família também conta com fisioterapeuta e nutricionista que atendem a domicílio por sessão, duas vezes por semana. São seis profissionais contratados diretamente e dois prestadores de serviço para atender duas pessoas.  Cada idoso gerou três postos e meio de trabalho. O autor propõe que os governos (a partir da arrecadação de impostos dos lucros da IA) paguem esses profissionais para atender todas as classes sociais, que o salário deles comece com um piso (financiado pelo estado) que seria, no contexto do Brasil atual, em torno de 5.000 Reais e chegue a 20.000 no final da carreira. Além disso, outras profissões poderiam ser englobadas nessa categoria, como professor e professora primária. Propõe-se que haja uma professora ou professor para cada 5 alunos da pré-escola, gerando mais postos de trabalho.

É uma solução utópica? Talvez. Concordo que o autor que as soluções dos 3 R são inadequadas na prática. Mas a solução que ele propõe também é desafiadora, porque toca até na sexualidade humana. Nós estamos muito acostumados culturalmente a que o cuidado seja uma profissão exercida por mulheres e, portanto, não remunerada. Para mim, é difícil imaginar homens colocando “cuidador de idosos” ou “professor pré-escolar” no perfil do Tinder. Mas tudo muda. As gerações vêm com mentalidades diferentes. Quando o Pedro Dória propôs que nós deveríamos inventar o keynesianismo dos nossos tempos, uma solução liberal e que ajudasse a resolver nossos problemas contemporâneos, eu me lembrei do livro do Kai-Fu Lee. Sem ter essa pretensão e sem dar esse nome, o que ele propõe é uma espécie de keynesianismo do século XXI.

Muito obrigada por permitirem que eu compartilhe isso. Querendo saber mais novidades, vocês me acham no Facebook e no Instagram.

UM NATAL ABENÇOADO!

Comentários

  1. Acho genial a forma como você tece as conexões entre uma obra e outra, os ganchos ficaram perfeitos, bom demais!

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