Concessão da Nacionalidade Portuguesa para Brasileiros Descendentes Judeus Sefarditas

Olá, pessoas! Quando eu vejo, já passou uma semana e está na hora de escrever outro post para trocarmos uma ideia. Aí surge a questão: “Sobre o quê escrever?”. Não quero ser técnica demais nem superficial demais no assunto. Também quero colocar uns “assuntos aleatórios” e correlaciona-los com assuntos técnicos. É desafiador. Se você tiver sugestões de tema, por favor, deixa aí nos comentários.

Durante a pandemia, me dediquei à genealogia e ao DNA...

Um dos assuntos que me interessam é a História. Durante a pandemia, juntei alguns documentos da minha família, digitalizei e comecei a montar uma árvore nos sites da internet. Alguns parentes são muito dedicados a isso e me deixaram pegar “carona” na árvore deles e montar a minha (sem pagar a mais por isso).

Paralelamente, eu também fiz mais um teste de DNA para conhecer as minhas origens. Eu já tinha feito outro teste de DNA no Canadá. Como as legislações da Américas do Sul e do Norte são diferentes, os testes de DNA são diferentes em cada continente.


Fonte: Unsplash - Crédito: National Cancer Institute @nci

Esta semana eu dei entrada processo de cidadania portuguesa

Depois de um longo processo pessoal, tomei a decisão e, neste fim de semana, eu organizei os documentos que tinha em mãos e abri um processo de reconhecimento na Comunidade Israelita de Lisboa (link do site aqui). Este é o primeiro passo para a Concessão da Nacionalidade Portuguesa para Judeus Sefarditas. Estou fazendo sem a assistência de advogados, mas, teoricamente, com assistência, fica mais fácil.

História resumida dos judeus de Portugal

Para quem quer saber mais, recomendo a leitura do próprio site da Comunidade Israelita de Lisboa. Aqui eu vou resumir muito a História. Comprovadamente já existiam comunidades judaicas estabelecidas em Portugal desde o ano 482 antes de Cristo. No ano 711, depois de Cristo, os muçulmanos invadiram e controlaram a Península Ibérica (Portugal e Espanha). O governo islâmico (que durou cerca de 600 anos) era liberal e garantia a liberdade religiosa. Esse período e considerado a Era de Ouro da Cultura Judaica na Península Ibérica.

Depois da queda dos governos muçulmanos, houve a Reconquista. Em seguida, começou o processo da Inquisição, que levou a expulsão dos judeus (primeiramente da Espanha, depois de Portugal) no final dos anos 1400 e no começo dos anos 1500. Nesse período, os judeus se espalharam para diversos lugares no mundo, entre eles, diversas regiões do continente americano (que tinha acabado de ser descoberto).


Fonte: Unsplash - Crédito: Portuguese Gravity

A possibilidade de pedir reconhecimento e cidadania

Estima-se que 80% dos primeiros portugueses a chegarem no Brasil eram judeus. Em 2015, os governos da Espanha e de Portugal reconheceram que a perseguição aos judeus existiu durante a Inquisição (que acabou no Brasil oficialmente só em 1821) e pediram desculpas pelas perseguições, torturas e mortes. Como uma forma de reparação, eles ofereceram a cidadania aos descendentes que quisessem voltar. Com a diferença de que a Espanha tinha data limitada. Os pedidos deveriam ser feitos até 2019.

Já Portugal não estabeleceu uma data limite para dar entrada aos pedidos de reparação. Eu acompanhei o primeiro pedido entre 2015 e 2016. Foi um professor de História polonês cuja mãe era portuguesa. No começo, o processo estava bem pouco estabelecido. Na época, eu pensei que isso nunca daria certo, nunca iria funcionar para brasileiros. Eu sou muito negativa quanto a qualquer coisa. Tudo que pode não acontecer para mim, eu assumo que, para mim, não vai.


Fonte: Unsplash - Crédito: Pedro Santos @pedro_ag_santos


A insistência dos amigos e a minha relutância "inexplicável"

Nos anos seguintes, dois amigos me mostraram notícias sobre os pedidos e sobre como processo estava estabelecido. Começaram a surgir notícias em vários meios de comunicação. Esses amigos começaram a me instigar a pedir a minha cidadania também. No fim do ano passado, conheci uma parente por parte de mãe que já tinha pedido e conseguido a cidadania portuguesa, dessa forma. Segundo ela, no primeiro semestre de 2020, mais de 1000 brasileiros tinham entrado com processo pedindo o reconhecimento. Essa parente temia que, devido ao elevado número de pedidos, Portugal revogasse a lei.

Mesmo assim, eu fiquei deixando para depois... Até aí, já tinham insistido comigo, um colega brasileiro que trabalhava comigo, um grande amigo meu (descendente de libaneses cujo irmão mora em Portugal) e essa parente da minha mãe.

Este ano, estava conversando com o revisor profissional, que nós contratamos para revisar o inglês dos nossos textos. Ele é um senhor norte-americano, que já viveu no mundo inteiro. Ele queria conversar sobre a vida e, de repente, ele me sugeriu mudar para Portugal. Foi aí que eu resolvi contar que eu até poderia pedir a cidadania. Eu fiquei sem ter um argumento racional do porquê eu não tinha pedido a cidadania ainda.

Logo depois, comecei a conversar com um português e também não tinha como justificar porque eu não pedi a cidadania ainda. Foi a gota d’água que entornou o copo. Procurei alguns advogados em Portugal, mas eles demoram muito para responder (talvez devido à sobrecarga de trabalho). Acabei decidindo pedir sem advogado mesmo. Qualquer pessoa que queira saber mais sobre o processo, pode entrar em contato comigo.


Fonte: Unsplash - Crédito: Anna Auza @annaauza

Enfrentando o vazio de ser reconhecida

Bateu um vazio depois que eu enviei o pedido. Quando eu era criança, eu ia para escola e aprendia que o Brasil foi formado pela mistura de “português, negro e índio”. No meu caso, com certeza, três dos meus quatro avós são descendentes desses primeiros judeus que chegaram ao Brasil em 1500. Talvez até os quatro sejam. Era muito chato ir para escola e aprender, pela História oficial, que eu não existia. Eu não tinha o que responder quando alguém me perguntava de onde a minha família veio.

A minha identidade foi construída em cima do fato de ser uma pessoa que “não existe”, que “não é reconhecida”, que não consegue responder a pergunta “de onde a sua família veio?” sem ter que dar uma palestra de 30 minutos sobre História e, depois, ter que lidar com o choque, o espanto, a rejeição ou a incredulidade dos interlocutores. Aprendi que nem valia a pena responder. De repente, quando eu tinha 29 anos, tudo isso mudou. Portugal aprovou uma lei que me reconhecia e destruiu uma parte de quem eu era. Agora eu sou uma identidade reconhecida em um país estrangeiro.

Acho que eu demorei tanto para pedir a cidadania portuguesa, porque a “exclusão” já fazia parte da minha identidade. Agora ela se foi. Ficou um vazio, que eu vou aprender a preencher com outra coisa.


Fonte: Unsplash - Crédito: Debbie Pan

Vocês também possuem coisas assim em sua vida?

Todo esse processo também me fez pensar que, se eu hoje tenho direito a pedir reparação por crimes cometidos durante 500 anos aos meus ancestrais. Por que os descendentes de pessoas africanas escravizadas não teriam?

Muito obrigada. Se quiser conversar mais, você me acha por aí, nas redes sociais...InstagramFacebook e LinkedIn.

Boa semana!

Sobre a autora

Sou Isotilia, algumas pessoas também me conhecem como Ada. Sou engenheira, fascinada por tomadas de decisão em ambientes complexos e negociações. Sou apaixonada por Mentoria, Educação, Consultoria, Orientação e Pesquisa na área de Gestão e Tomada de Decisão, principalmente aquelas que envolvem a integração de métodos quantitativos e inteligência artificial.

Sou mestra e doutora em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente estou fazendo MBA em Negócios Digitais (USP) e sou orientadora dos projetos finais do curso de MBA em Gestão de Projetos (USP), desde 2018. Em transição para assumir um projeto na Universidad Adolfo Ibáñez (UAI), no Chile, reconhecida por ter a melhor Escola de Negócios da América Latina. Já orientei mais de 50 projetos de gestão, apliquei-os a diversos setores.

Minha tese de doutorado foi o desenvolvimento de um modelo de gestão de custos de estoque, aplicado ao comércio eletrônico. Na minha dissertação de mestrado, desenvolvi indicadores para medir o desempenho de corredores de transporte, integrando três pilares da sustentabilidade (econômico, social e ambiental).

 


Comentários

  1. Isotila, que texto gostoso de ler. Me senti conversando contigo. Muito interessante esse processo de passar de excluída a representada. Durante a pandemia, aproveitei também para resgatar minhas origens. Mil descobertas e um futuro diferente pela frente!

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  2. É fascinante poder conhecer a própria história e a história de sua família! Fico muito feliz de saber que o processo de reparação histórica está finalmente acontecendo para os descendentes! Muito obrigada por compartilhar sua história conosco! 🥰

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