O Poder do Acaso em Nossas Vida (e o Retorno à Média!)

Em 2015, li o livro "O Andar do Bêbado". Trata-se de um livro de divulgação científica sobre como eventos aleatórios norteiam nossas vidas e como não estamos preparados para lidar com eles.


Lembrando que "aleatório" em inglês, neste contexto, é "random" e não "aleatory". Tinha um amigo nativo da língua inglesa que sempre me corrigia isso. Sim, eu uso a expressão "evento aleatório" muitas e muitas vezes no meu dia a dia! (risos)

 



Em outubro de 2014, li outro livro sobre quase a mesma temática: "The Black Swan" (em português, a tradução ficou como "A Lógica do Cisne Negro"). Como são livros sobre temas muito próximos, resolvi comentar ambos em um único artigo.

Ambos são uma boa leitura mesmo para quem tinha dificuldades com matemática na escola. Pois os dois livros têm uma linguagem simples, são cheios de exemplos da vida real (como esportes, crimes que ficaram famosos, etc) e ricos de comentários hilários.

Os dois livros começam se baseando no trabalho do psicólogo que ganhou o Prêmio Nobel de Economia,

Daniel Kahneman, a lenda.
Daniel Kanehman (nascido em 1934), imagem retirada da Wikipédia


Por seu trabalho (junto com o falecido Amos Tversky) sobre como os seres humanos interpretam a realidade de maneira irracional (que os prejudica) e como isso afeta a Economia.

O grande insight de Kahneman foi ao fazer um curso de psicologia com instrutores de voos da Força Aérea Israelense. Ele havia preparado uma palestra sobre a importância de elogiar e estimular os alunos de voo, quando um dos instrutores lhe disse que aquela teoria não era verdadeira, pois...

...quando um piloto fazia manobras com perfeição e ele o elogiava, na próxima vez, o piloto ia pior. E, ao contrário, quando um piloto ia terrivelmente mal e o instrutor lhe dava uma bronca, o piloto ia melhor na vez seguinte. Por tanto, não fazia sentido ver o lado positivo e estimular os alunos com elogios.

 

Fonte da Imagem: Unsplash - Crédito: Truman Talbot


Quem de nós nunca viveu essa situação, né?

 

Kahneman refletiu longamente sobre a observação do instrutor de voo, que parecia verdadeira. Ao final de alguns estudos e reflexões, o que ele descobriu foi a Tendência de Regressão à Média.

Tudo em nossas vidas, tende para uma média!


Portanto, quando um aluno de voo tinha um desempenho excepcionalmente bom, ele tinha a tendência de regredir à média, portanto, existia uma grande probabilidade de ele ir pior da próxima vez. O fato de o instrutor elogiá-lo ou não, não fazia a menor diferença. Mas o instrutor achava que por tê-lo elogiado, o piloto piorara. A recíproca é verdadeira, quando um aluno vai excepcionalmente mal, a tendência estatística é que dá próxima vez, ele vá melhor para se aproximar da média.

O "Andar do Bêbado" faz toda uma introdução histórica aos conceitos básicos de probabilidade (teoria dos jogos) e estatística. Coincidentemente, quando eu li o livro, estava voltando a estudar estatística para o meu mestrado. Por isso, foi muito bom descobrir personagens pitorescos, como o medieval Quételet, um cara definitivamente muito azarado!


Também descobri que o conceito de esperança matemática surgiu do cientista Pascal tentando convencer as pessoas de que elas deveriam acreditar em Deus!


Ou seja, o livro "Andar do Bêbado" está cheio de histórias que podem enriquecer o repertório das aulas de professores de exatas e papos de bar.


Se este não é o seu caso, por que vale a pena ler "O Andar do Bêbado"?




Mas se você não dá aulas e seus amigos não são de exatas, deveria ler o livro mesmo assim. Porque o livro traz sacadas geniais de como interpretamos probabilidade de maneira errônea em nossas vidas, no caso, da eficiência de medicamentos, de exames, de julgamentos e processos, entre outros.

Um dos exemplos mais marcantes foi quando o autor recebeu o resultado HIV positivo e seu médico falou que a chance de estar errado erra de 1/10.000. Mas quando ele refez os cálculos da maneira correta (depois de passar um fim de semana do cão!), ele viu que na verdade as chances eram de 1/11 de o resultado do teste estar errado (e estava!). Também tem exemplos muito interessantes com mamografia.


Pelo que eu aprendi mais tarde, lendo o livro "Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos" (do mesmo autor de "A Lógica do Cisne Negro") em 2019, mamografia é uma assunto para lá de polêmico na América do Norte ("controversial" como se diz em inglês, "polemic" também uma palavra que não faz muito sentido para os nativos!).



O que me pegou no livro "O Andar do Bêbado" é que ele bate muito na tecla de que a distribuição normal explica muita coisa (sim, essa ainda é a teoria oficialmente aceita). Embora ele fale que existem muitos negócios que não seguem essa distribuição (como a indústria do cinema, por exemplo). Na minha opinião o autor NÃO dá a ênfase necessária.


Por que vale a pena ler “A Lógica do Cisne Negro”?



Já o livro "A Lógica do Cisne Negro" é sobre o fato de que quase tudo na vida, de fato, não segue uma distribuição normal. O autor propõe um modelo através de matemática de fractais (na minha visão leiga, bem melhor). Este segundo livro foi libertador para mim, neste aspecto. A minha vivência de 5 anos trabalhando com estatística, em uma montadora de automóveis no mundo real, me convenceu de que vivemos nos iludindo com a distribuição normal para a maior parte dos problemas.


Resumindo...


Os dois livros são muito bons. Se você não tem nenhum conhecimento prévio de probabilidade e estatística, portanto, liberte-se lendo "O Andar do Bêbado". Se você já sofreu um pouquinho trabalhando nessa área, então, liberte-se lendo "A Lógica do Cisne Negro".

Para finalizar deixo aqui passagem de "O Andar do Bêbado" que defendem ideias fundamentais de "A Lógica do Cisne Negro":

É fácil acreditarmos que as ideias que funcionaram eram boas ideias, que os planos bem-sucedidos foram bem projetados, e que as ideias e os planos que não se saíram bem foram mal concebidos. É fácil transformar os mais bem-sucedidos em heróis, olhando com desdém para o resto. Porém, a habilidade não garante conquistas, e as conquistas não são proporcionais à habilidade. Assim, é importante mantermos sempre em mente o outro termo da equação - o papel do acaso.

 

Boa semana!

 

Sobre a autora

Sou Isotilia, algumas pessoas também me conhecem como Ada. Sou engenheira, fascinada por tomadas de decisão em ambientes complexos e negociações. Sou apaixonada por Mentoria, Educação, Consultoria, Orientação e Pesquisa na área de Gestão e Tomada de Decisão, principalmente aquelas que envolvem a integração de métodos quantitativos e inteligência artificial.

Sou mestra e doutora em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente estou fazendo MBA em Negócios Digitais (USP) e sou orientadora dos projetos finais do curso de MBA em Gestão de Projetos (USP), desde 2018. Em transição para assumir um projeto na Universidad Adolfo Ibáñez (UAI), no Chile, reconhecida por ter a melhor Escola de Negócios da América Latina. Já orientei mais de 50 projetos de gestão, apliquei-os a diversos setores.

Minha tese de doutorado foi o desenvolvimento de um modelo de gestão de custos de estoque, aplicado ao comércio eletrônico. Na minha dissertação de mestrado, desenvolvi indicadores para medir o desempenho de corredores de transporte, integrando três pilares da sustentabilidade (econômico, social e ambiental).


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