DE 1964 A UMA DECLARAÇÃO DE AMOR, PASSANDO POR ÉRICO VERÍSSIMO
31 de março de 2019. Aniversário de 55
anos do Golpe Militar no Brasil. O atual presidente pediu que houvessem
comemorações na data de hoje. Honestamente não sei se elas aconteceram ou não,
porque não estou acompanhando. Fui trabalhar hoje porque estou com alguns
compromissos atrasados. Repudio e acho vergonhoso que o verbo “comemorar” seja
usado para um fato assim. Mas acredito que devemos, sim, sempre “lembrar” do
que houve. Estudar, escutar todos os lados e discutir com imparcialidade e
maturidade todos os fatos históricos.
E, por falar em compromissos atrasados,
pelo menos, dos livros que eu me comprometi a ler aqui com vocês, já li Um
Lugar ao Sol de Érico Veríssimo. É interessante que eu criei uma lista de
leitura que, naquela época, fazia sentido, mas já não está fazendo mais, porque a
minha vida está mudando muito depressa. Isso também acontece com vocês? O que
vocês fazem quando isso acontece?
Separei algumas passagens de Um
Lugar ao Sol que eu queria compartilhar com vocês.
SABER
DAR O VERDADEIRO NOME ÀS COISAS
“Talvez
a felicidade esteja em a gente saber, quando está na frente dum moinho, que
aquilo é um moinho e não um gigante... Saber dar o verdadeiro nome às coisas...
Assim non há perigo... compreende?”
Achei essa passagem muito verdadeira. Ela
compreende a essência da meditação. Com a prática da meditação e do Yoga, ainda
que a minha seja muito pequena, eu fui aprendendo a discernir o que eram as
coisas de fato e o que eu imaginava sobre elas. Apesar de ser um pequeníssimo
passo na minha vida, isso já causa um impacto e uma libertação enormes. Dá
vontade de provocar um pouquinho e acrescentar: golpe é “golpe”, não é “movimento”.
Cada coisa tem um nome.
Imagem retirada gratuitamente do site PixaBay. |
A
VIDA SÓ EM SI NÃO JUSTIFICARIA A PENA VIVER?
“Nos
silêncios de suas noites sem sono, Fernanda, pensava na vida, no passado, e no
que tinha ao redor no momento. Fechava os olhos ao futuro. Ela pressentia lutas
subterrâneas. Os velhos males do seu Estado e do seu país não tinham acabado só
pelo fato de ela os ter esquecido, solicitada por exigências mais imediatas. Em
algum laboratório misterioso e obscuro se preparavam grandes acontecimentos.
Que viria amanhã? Que grandes catástrofes? Que grandes transformações? Haveria
um dia de paz e felicidade na terra? Por outro lado, lhe vinham pensamentos: A
finalidade da vida que ela buscara antes nos livros de filosofia não seria
aquela de lutar pelo seu quinhão de felicidade, na terra, ajudando ao mesmo
tempo os companheiros de luta que estão a nosso redor, ligados por laços de
sangue ou de amizade? A vida só em si não justificaria a pena viver? Oh! Com
todas as suas dúvidas, com todas as suas injustiças, com todos os seus absurdos
– a vida era uma aventura fascinante.
Era
quase madrugada quando o sono vinha.”
Não sei nem comentar porque essa passagem
me chamou a atenção. Acho que é porque talvez eu concorde com a visão do autor
sobre a personagem e nós, como povo, estamos vivendo um momento de muita
dificuldade, como na época em que o livro foi escrito.
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E
DESCONFIEMOS SEMPRE DA FÉ QUE É CEGA. ELA SE SE CHAMA FANATISMO
“Uma
noite, num cinema, um jornal Fox-Movietone mostrou-lhes uma missa rezada na
Etiópia para um batalhão italiano. O autor improvisado, os soldados ajoelhados,
uma grande cruz. Depois, a “câmera” maliciosamente mostrou um quadrado de
soldados armados de metralhadoras, protegendo os fiéis contra qualquer ataque
eventual. O conde cochichou:
-Veja.
Até a Fé é desconfiada. Nunca viu nas igrejas o para-raios dissimulado atrás da
cruz? Pois é. A fé desconfia, meu jovem amigo. E desconfiemos sempre da fé que
é cega. Ela se chama fanatismo.”
Além do fato de que eu concordo
inteiramente com a frase sobre fé e fanatismo, escolhi essa frase, porque, este
ano, vou para Etiópia. No ano passado, escrevi que o Cristianismo chegou
simultaneamente na Etiópia e na Itália e também contei sobre a santa católica
Ifigênia, que era uma princesa etíope, convertida ao Cristianismo pelo apóstolo
Mateus (relembre aqui). No ano passado, passei o Natal em Londres e conheci um
etíope, que parecia ser muito religioso e era muito carismático. Lembro que
escrevi aqui que foi a primeira vez que encontrei uma pessoa da Etiópia pessoalmente
(relembre aqui).
Bandeira da Etiópia. |
De maneira geral, a História da África é
muito preterida. Outro dia, eu estava comentando com meus colegas sobre o livro
Confissões de Santo Agostinho. Outro
colega tem uma imagem desse santo. E estava eu comentando algo como “Santo
Agostinho era do Norte da África e, então, ele viajou para Europa...”, quando
uma colega fez aquela pergunta que eu não soube responder: “Se ele era do Norte
da África, por que essa estátua é de um homem branco?”.
AINDA
É O DESEJO DE VIVER QUE NOS LEVA PARA OS LIVROS
“Noel
sacudia a cabeça. Achava-se num beco sem saída. Não tinha fé suficiente para
fazer um livro de esperança. No fim sairia uma coisa insonsa, inútil, sem
graça. E, quebrando um curto silêncio, confessou:
-
Eu queria fazer um livro, não da vida como ela é, mas como eu queria que ela
fosse. Um livro para a gente pegar e ler quando quisesse esquecer a vida
real... Eu entendo a arte como sendo uma errata da vida. À página tal, onde se
lê isto, leia-se aquilo...
-
Mas Noel, - fez Fernanda – quando se procura um livro não é para fugir à vida,
mas sim para viver ainda mais, viver a vida de outras personagens, em outras
terras. Ainda é o desejo de viver que nos leva para os livros...”
O personagem Noel dever ter muito do
próprio autor Érico Veríssimo. Assim como a Fernanda deve ser inspirada na
esposa do autor. Pelo texto, vê-se que Érico Veríssimo era um homem muito
apaixonado pela esposa e que ela contribuiu muito para o seu trabalho como
escritor. Aliás, esse não é um caso único. Já escrevi para o blog Literatura
Brasileira sobre a influência de algumas mulheres na vida de escritores
famosos, entre elas Maria Carolina, esposa de Machado de Assis (leia clicando aqui)
e Maria Julieta Drummond de Andrade, filha de Carlos Drummond de Andrade, que
também era escritora e morreu antes do pai (saiba mais clicando aqui).
Segundo Carlos Drummond de Andrade, a obra de Maria Julieta era mais importante
do que a dele.
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Talvez não por coincidência, esta semana,
encontrei um vídeo do escritor Ariano Suassuna (autor de o Auto da Compadecida, entre outras obras), fazendo uma declaração de amor a
sua esposa de toda vida. Termino este com o post. Comecei falando de ódio e
termino falando de amor.
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